PM mobiliza 10 homens contra 4 estudantes que protestavam contra Bolsonaro
PMs interrompem ato de 4 estudantes contra Bolsonaro. Jovem negra afirma que policiais a chamaram de ‘vagabunda’ e quiseram registrar ocorrência em que presidente seria vítima e ela, agressora
Paloma Vasconcelos, Ponte
Um pequeno ato na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto, região central de Brasília (DF), na última quarta-feira (10/4), terminou na delegacia. Organizado pela estudante de jornalismo Géssyca Alves de Souza, de 27 anos, o ato consistia em entregar para as pessoas uma carta com os dizeres: “Carta branca para matar preto e pobre. Assinado: Capitão Bolsonaro”, acompanhada de um envelope com duas informações: “Remetente: Capitão Bolsonaro” e “Destinatário: PM & Exército”.
Em entrevista à Ponte, Géssyca Alves explica o motivo de organizar o ato simbólico contra o genocídio da população negra. “Aquele fato que ocorreu no Rio [80 tiros disparados pelo Exército contra o carro de uma família, que resultou na execução do músico Evaldo Rosa dos Santos] chamou muito a atenção das pessoas, então achei que era o momento bom para falar não só daquela acontecido, mas para dizer que isso ocorre diariamente nas nossas cidades e que ninguém fala. Muitos de nós estão morrendo e nem entra nas estatísticas. O nosso presidente não havia se pronunciado até o momento do ato e, quando se pronunciou, foi para dizer que o Exército não matou ninguém“, conta.
A estudante estava acompanhada de mais quatro amigos: Giselly Alves de Souza, Larysse Alves Santos, Thiago Nunes de Abreu e Victor Henrique de Sena. Até o momento da chegada da Polícia Militar, o ato seguia tranquilamente e a população dialogava com os jovens.
A abordagem inicial dos PMs, segundo Géssyca, foi calma. Mas, quando se deram conta do conteúdo dos panfletos, o tom dos policiais mudou. “Eles xingavam a gente o tempo inteiro, me chamando de vagabunda, de à toa, falando que o governo anterior era muito pior e que eu não podia desrespeitar o Chefe de Estado”, alega Alves.
Géssyca registrou parte da abordagem da PM em vídeo. Nas imagens, é possível ver cerca de 10 policiais e ao menos 3 viaturas. Ao fundo, vemos a faixa estendida pelos jovens durante o ato com a frase: “80 enganos… e diariamente perdemos as contas. Por que minha cor é o alvo?”. Em seguida, Géssyca relata a abordagem da PM. “Estava aqui distribuindo o nosso material e gentilmente a polícia chegou pra falar que eu estou difamando o nosso excelentíssimo presidente”, diz a jovem com tom de ironia.
“O nosso país é assim, enquanto está todo mundo calado e a galera morrendo, ninguém se incomoda com nada. A partir do momento que a gente se incomodar com a morte dos nossos, aí vai ser complicado, por que a gente está errado”, continua a jovem, que finaliza o vídeo com a frase “mais uma vez o alvo está no peito do preto e do pobre”.
Depois da gravação dos dois vídeos, de acordo com a estudante, os PMs decidiram revistar o carro de duas amigas que estavam no ato com Géssyca – elas teriam ido para tirar fotos e gravar o ato. Lá, os policiais encontraram uma pequena quantidade de maconha e encaminharam os jovens para o 5º DP.
A versão policial do Boletim de Ocorrência, segundo o sargento Horácio Adail Tibiriça Canedó, comprova a versão da jovem: “Informou que o soldado Coimbra abordou algumas pessoas que estavam distribuindo panfletos com mensagens sobre o Presidente da República e pediu apoio. Disse que informou a mesa do COPOM para que enviasse uma viatura para o local e subiu para a Plataforma Superior da Rodoviária. Chegando ao local, em seguida chegou uma policial feminina que fez a revista pessoal nas três mulheres que estavam distruibuindo panfletos. Nessa busca, foi contatado que duas estavam com chaves de veículos no bolso. Logo após, goram aos veículos para fazer buscas e foi encontrado um dichavador com porção de substância aparentemente maconha”.
Conforme consta no Boletim de Ocorrência, foi apreendido com Géssyca os papéis e o envelope distribuídos durante o ato e com Giselly e Larysse a maconha encontrada dentro do automóvel. “Os envolvidos estavam panfletando cartas em manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, em ato que criticava a falta de segurança de negros e pobres, após o episódio em que um músico foi morto ao ser confundido. Na abordagem, foi encontrado no banco de trás do veículo de Larysse sua mochila vermelha contendo um dichavador com certa quantidade de maconha. Dentro do mesmo veículo, no interior da bolsa de Giselly, foi encontrado uma porção de maconha”, relatava B.O. feito na 5ª Delegacia de Polícia.
A estudante conta que os PMs pediram ao delegado que colocassem no B.O. o presidente Jair Bolsonaro (PSL) como vítima e Géssyca como agressora. “A Polícia Militar queria e pediu muito para ser feito era um boletim de ocorrência onde o Bolsonaro era a vítima e eu era a agressora, pela forma em que eu fiz a carta e o ato”, denuncia Géssyca.
Mesmo reconhecendo que o ato era um exercício de liberdade expressão, o delegado de plantão Fábio Costa dos Prazeres apreendeu os panfletos: “direito de livre manifestação, não havendo crime a ser apurado”. Sobre a apreensão de maconha, o documento informa que as jovens foram liberadas após assinar o termo de compromisso.
Géssyca acredita que o episódio mostra o cenário político atual. “Isso mostra que a gente tá vivendo tempos difíceis, em que a nossa liberdade de manifestação, de expressão, tá sendo calada”, finaliza a estudante.
Leia também:
Policiais agridem e prendem professora de Sociologia na frente dos alunos
Milicianos são intocáveis porque estão dentro da polícia, diz pesquisador
As falhas na investigação da chacina de 15 jovens no Fallet