Defesa de Lula soube às 20h19 de ontem que julgamento seria realizado hoje, apesar de não haver agendamento no sistema. Parece molecagem, mas é o Superior Tribunal de Justiça do Brasil
Joaquim de Carvalho, DCM
A defesa do ex-presidente Lula sempre teve dificuldade para exercer o seu trabalho no processo sob condução dos magistrados paranaenses que, da primeira à última instância, controlam a Lava Jato. Mas algumas situações são tão bizarras que até um leito acha estranho.
É o que aconteceu ontem, segundo reclamação protocolada pelos advogados no Superior Tribunal de Justiça. É que, às 18h20, um advogado com representação nos autos procurou a secretaria do gabinete do ministro Felix Fischer para saber se o julgamento estava marcado.
A resposta foi negativa, mas, às 20h19, a assessoria de imprensa da corte informou que o julgamento seria realizado hoje, apesar de não haver agendamento no sistema eletrônico do STJ.
Parece molecagem, mas é muito grave do que isso: o STJ tem dificultado o exercício do direito da ampla defesa de Lula. No ano passado, Félix Fischer já havia rejeitado o recurso de Lula, em decisão monocrática, também tomada de surpresa.
Normalmente, em casos como este, a decisão não é monocrática, e as partes são avisadas com antecedência para que possam fazer a sustentação oral.
Fischer, no entanto, decidiu sozinho que a condenação de Lula pelo juiz Sergio Moro era legal, apesar de não haver no processo prova de crime nem descrição de conduta criminosa.
Ele também ignorou a denúncia da parcialidade de Moro, hoje fora de dúvida, depois que se tornou ministro de Jair Bolsonaro.
Se Lula tivesse disputado a eleição, Bolsonaro teria dificuldade de vencer. Isso para dizer o mínimo. As pesquisas apontavam Lula na liderança.
Com a decisão isolada, Fischer atropelou o costume da corte, mas a defesa de Lula não concordou.
Apresentou um agravo regimento e forçou a análise desse recurso pela 5ª Turma do STJ, da qual Félix faz parte. É o julgamento desse recurso que foi marcado para hoje.
“É possível resumir o atual cenário da seguinte forma: não houve qualquer espécie de intimação prévia da Defesa, a informação oferecida à Defesa é de que não havia previsão de julgamento. Por outro lado, a informação concedida à imprensa é de que haverá julgamento. O contexto fático descrito, com o devido respeito, está em desconformidade com a garantia constitucional da ampla defesa e das demais garantias fundamentais previstas no Texto Constitucional e nos Tratados Internacionais que o País subscreveu e se obrigou a cumprir”, escreveram os advogados.
É difícil que Félix Fischer recue do julgamento marcado para hoje, o que não chega a ser surpresa nos casos relacionados à Lava Jato.
O próprio Félix Fischer se tornou relator da Lava Jato por um caminho que é, no mínimo, estranho.
Até o início de 2016, o relator da Lava Jato era o ministro Ribeiro Dantas, mas ele foi derrotado no julgamento de HCs apresentados em favor de réus da operação.
Com isso, se estabeleceu um conflito de competência e Félix Fischer foi escolhido pela corte para se tornar relator de todos os processos relacionados à Lava Jato.
A justificativa era que ele havia elaborado o voto vencedor nos julgamentos em que Ribeiro Dantas foi derrotado. Segundo a corte, o regimento interno permitiria essa troca.
Com sua designação como relator, a Lava Jato, embora tenha nascido de casos relacionados à Petrobras, que fica no Rio de Janeiro, passou a ter como relatores apenas magistrados do Paraná.
Na 5ª Turma, o auxiliar direto de Félix Fischer na relatoria da Lava Jato é também juiz do Paraná, Leonardo Bechara Stancioli.
Ele foi nomeado juiz auxiliar de Félix Fischer em maio de 2017 e se tornou, segundo a coluna de Lauro Jardim em O Globo, um dos maiores especialistas em Lava Jato.
Seria ele o autor dos votos lidos por Félix Fischer na 5ª Turma, inclusive aquele em que negou HC a Lula por conta da existência de recursos a serem julgados nas cortes superiores.
Nada que o constranja. Stancioli já demonstrou que sabe sair de situações difíceis.
Em 2007, Stancioli foi flagrado numa escuta telefônica em uma conversa comprometedora com o sogro, o então ministro do STJ Paulo Medina.
No diálogo, ele era informado de um esquema montado para garantir sua aprovação no concurso para juiz do Tribunal de Justiça do Paraná.
Mesmo com a denúncia, publicada na revista Veja, ele assumiu, e e foi convocado para o STJ, de onde o sogro acabaria saindo, por aposentadoria compulsória, acusado de envolvimento com a máfia dos caças níqueis, liderada por Carlinhos Cachoeira, de Goiás.
No gabinete de Félix Fischer, Stancioli não dá a última palavra, mas tem voz ativa. Até hoje, no STJ, Lula não teve êxito em nenhum pedido. Será diferente nesta terça-feira?
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