Redação Pragmatismo
Violência 18/Abr/2019 às 19:30 COMENTÁRIOS
Violência

William Novais, 26 anos, morto na porta de casa de maneira covarde e injustificável

Publicado em 18 Abr, 2019 às 19h30

Um emprego, uma filha, duas faculdades concluídas, muitos sonhos e 4 tiros à queima roupa que encerraram tudo. O assassino é um policial militar que continua em liberdade e trabalhando

William Novais morto porta de casa covarde injustificável
William Novais (Imagens: Ponte)

Willian Novaes, Ponte

Morrer na porta de casa não é o sonho para ninguém. William Novais Pazaranti, 26 anos, tinha muitos outros desejos ao invés desse fim trágico. Filho de uma vendedora e de um controlador de tráfego, William Novais trabalhava como encarregado de setor, numa rede de supermercados, desde setembro de 2013. Tinha uma vida pela frente, além de uma filha de 7 anos, uma família, um carro, uma moto e duas faculdades concluídas (Análise de Sistema e Logística) e a próxima seria Direito – igual a mim, o Willian Novaes que escreve essa matéria, tinha na sua idade o desejo de crescer profissionalmente.

O meu xará morreu na rua São Roque, uma via curta, de 50 metros, e escura – a mesma que cresceu, no bairro Sol Nascente, na periferia da zona norte de São Paulo, numa noite fria de 28 de março de 2019, por volta das 23h30. Esse era o horário que eu, num passado de quase 15 anos atrás, chegava andando a pé por ruas parecidas, além de escuras e sinistras, do ensino médio e depois da faculdade. O jovem foi baleado por 4 disparos à queima roupa realizados pelo policial militar Francisco Adriano de Sousa Lima, de 32 anos, que estava de folga.

O militar trabalha internamente no 49º Batalhão, em Pirituba, na mesma região do episódio e alegou legítima defesa. Ele informou em seu depoimento, no 33º DP (Vila Mangalot), que William e um outro jovem teriam tentado roubá-lo, ameaçando-o com uma faca. Francisco estava dentro do seu carro, um Cobalt, cor chumbo, estacionado há cerca de 3 ou 4 horas, com a namorada, no final da rua São Roque, com os vidros escurecidos por uma película fechados.

O PM alegou que William bateu no vidro com a faca de cerca de 30 centímetros anunciando o assalto. Ele revidou o ataque saindo do veículo atirando. Acertou os 4 primeiros em William, sendo 2 no tórax, 1 na perna e outro no ombro. O rapaz baleado tentou voltar para casa andando e caiu cerca de 5 metros a diante. Ele não tinha antecedentes criminais. O seu amigo conseguiu correr para o outro lado da via e o policial errou os 2 tiros efetuados. Francisco chamou reforços do seu batalhão que chegou antes mesmo da ambulância do Corpo de Bombeiros e os PMs isolaram o local, com uma fita plástica. Essa é a versão do PM. Francisco continua trabalhando internamente e a sua arma foi tirada até a conclusão da investigação, segundo Benedito Mariano, Ouvidor da Polícia do estado de São Paulo.

Família e comunidade desmentem PM

A reportagem da Ponte foi até a rua São Roque e ouviu vizinhos, jovens e familiares de William que contaram uma outra história. William, seu primo e mais dois amigos, sendo um deles o rapaz de 22 anos que conseguiu fugir da fúria do PM, estavam na frente da sua casa conversando desde às 20h daquela quinta-feira. Eles aproveitaram para ouvir sertanejo universitário e tomar cervejas para comemorar a instalação do portão novo. Um sonho antigo de Ivaneide Novais, 49 anos, a mãe do jovem assassinado. Na casa de oito cômodos viviam apenas os dois. Os seus pais se divorciaram há oito anos.

William e os amigos estranharam o carro parado por tanto tempo. Ele e mais um colega foram até o veículo, andaram por cerca de 10 metros para anotar a placa e checar com a polícia se era roubado ou ver se tinha alguém dentro. Mas com a película escura fica impossível enxergar de fora para dentro. No momento que o jovem colocou o rosto próximo ao para-brisa, o PM saiu atirando. Eufórico e com a arma em punho, o policial ainda ameaçou diversas pessoas que estavam na via. Não deixando ninguém chegar próxima dele e nem do corpo do rapaz estirado no chão, com os braços juntos ao corpo, barriga para cima e apenas com um pé do chinelo calçado.

Para o ouvidor Mariano, a versão do PM tem muitas contradições. “Acho pouco provável a tese do policial de tentativa de roubo em frente da sua casa. São várias testemunhas dizendo outra coisa”, pondera. As testemunhas já prestaram depoimentos para Ouvidoria e Polícia Civil. O inquérito policial está nas mãos da Equipe “B” – Sul da 1ª Delegacia de Homicídios, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). A SSP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informou que foram requisitados os exames periciais para a vítima, para a faca e a arma apreendidas. O Ouvidor informou que todos os policiais que participaram da ocorrência vão prestar depoimento.

Novas informações

A Ponte teve acesso a três vídeos inéditos. Neles é possível ver três situações, a primeira é agonizante: o desespero da mãe do rapaz, a vendedora Ivaneide. Ela havia chegado a pouco do trabalho e estava preparando o jantar para a família. A senhora parece não acreditar e grita por socorro, ignorada completamente pelos PMs que cercam o atirador. Numa conversa que parece de amigos, conseguimos ver vários deles se cumprimentando. Dona Neide, como é conhecida na região, pede ajuda para os policiais ainda sem entender o que está acontecendo. Num instante alguém avisa que o atirador é um PM e ela quase desmaia. “Precisamos de justiça, não dá para acreditar que meu filho foi morto na porta de casa por um policial. Ele trabalhava desde os 15 anos, nunca fez nada de errado, não sei o que vou fazer para viver”, contou a mãe em lágrimas.

No segundo instante, uma viatura da Força Tática, de número M 49017 e placa CFY 5723, que estava estacionada na rua na qual os policiais militares já tinham isolado a área específica do crime, manobra de forma brusca e para mais próxima ao corpo de William, que ainda agonizava no asfalto. O veículo cobre a visão dos familiares. Uma pessoa começa a gritar “Cadê o William? Cadê o William?”. Minutos depois um policial sai de trás da viatura calçando uma luva de plástico. Para o ouvidor Mariano, os policiais não poderiam mexer na cena do crime.

A outra situação é quando os Bombeiros estão resgatando a vítima. Nesse instante é possível ver uma faca ao lado do chinelo da Nike que William calçava. As imagens foram enviadas para o Ouvidor da Polícia para serem inclusas no inquérito. A SSP foi questionada por todos esses fatos e respondeu da seguinte forma: “A PM acompanha as investigações. Com relação aos policiais que atenderam a ocorrência, qualquer denúncia de irregularidade durante a ação dos agentes pode ser formalizada junto à Corregedoria da PM para devida apuração”.

Os amigos e familiares de William Novais fizeram uma passeata no último domingo pelas ruas do bairro Sol Nascente. Mais de 100 pessoas acompanharam e se manifestaram. No campo de futebol, todos se reuniram vestindo camisetas com mensagens a William, segurando faixas e fizeram discursos exigindo justiça. “Não dá para acreditar nisso. Nossa rua é tranquila demais, nunca aconteceu isso e agora com um policial militar ainda. Esse menino era inocente”, contou o aposentado Amarildo Gama, 53 anos, que vive há 17 anos na rua São Roque.

Mortes causadas por PM aumentam 46% em março

O assassinato de William Novais por um policial militar contribui para uma triste estatística: o aumento de 46% em casos de pessoas mortas em decorrência de intervenção por PMs em trabalho e folga apenas no mês de março- quando comparado com o mesmo mês de 2018. Em março do ano passado foram 52 mortes, enquanto o registro pula para 76 no mês passado. No primeiro trimestre de 2019 foram computadas 203 pessoas mortas por policiais militares, contra 193 do mesmo período de 2018, acréscimo de 5%.

O Ouvidor Mariano ainda não sabe o motivo dessa mudança brusca. “É complicado, por isso sugerimos que as investigações de pessoas mortas em decorrência de intervenção policial por PMs em serviço e folga precisa ficar a cargo da Corregedoria que já tem toda estrutura pronta. Atualmente os batalhões que fazem esse trabalho, mas a função do batalhão é fazer o policiamento”, informa o Ouvidor. Apenas 3% dos inquéritos são realizadas investigações, como informado em fevereiro pela Ponte.

Para Camila Nunes Dias, socióloga e professora da UFABC, esse avanço na letalidade policial é preocupante. “Pode estar acontecendo dos policiais responderem às mensagens implícitas e explícitas emitidas, como por exemplo, dos governadores de São Paulo [João Doria] e Rio de Janeiro [Wilson Witzel] e até do Presidente da República [Jair Bolsonaro], de enaltecerem as medidas violentas contra supostos bandidos”, disse Camila.

A professora ainda cita o caso do músico Evaldo Rosa dos Santos, de 51 anos, fuzilado com 80 tiros pelo Exército, no domingo (7/4), no Rio de Janeiro “O silêncio do governador, ministro da Justiça e do presidente mostra um apoio implícito, isso não pode acontecer”, conta Dias. Segundo o ouvidor Mariano nenhuma declaração que fortaleça uma ação letal é boa para a instituição. Os dois especialistas criticam o projeto “Anti-Crime” apresentado pelo ministro da Justiça Sergio Moro esse ano. Eles são unânimes em afirmar que a ampliação da legitima defesa para os policiais, pode impactar diretamente no aumento da letalidade policial.

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