Contra o Preconceito

“Passarela da adoção” em shopping de luxo expõe crianças a traumas irreparáveis

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Crianças "maquiadas e produzidas" com idades a partir de 4 anos são expostas em shopping de luxo para adoção. Evento deixa psicólogos chocados. Escritor comparou desfile a uma feira de escravos frequentada por latifundiários

(Crianças desfilam em passarela para serem adotadas/divulgação/OAB-MT)

A Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA), em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional Mato Grosso (OAB-MT), realizou um “desfile” em um shopping de luxo com crianças disponíveis para adoção.

Foram expostas crianças “maquiadas e produzidas” a partir de 4 anos de idade e o evento ocorreu no Pantanal Shopping, em Cuiabá (MT), na noite da última terça-feira (21).

“Será uma noite para os pretendentes poderem conhecer as crianças. A população em geral poderá ter mais informações sobre adoção e as crianças em si terão um dia diferenciado em que elas irão se produzir, cabelo, roupa e maquiagem para o desfile”, disse Tatiane de Barros Ramalho, representante da OAB-MT, ao abrir o evento.

A repercussão do desfile nas redes sociais foi intensa. O advogado e escritor Eduardo Mahon comparou o desfile a uma feira de escravos frequentada por latifundiários em busca de “trabalhadores”, os quais avaliavam pelo porte e pelos dentes.

Outras pessoas associaram o evento a uma feiras de adoção de animais e questionaram: como é o impacto de uma experiência dessas para a criança que se produz e, depois, não é acolhido por nenhuma família?

“A “passarela da adoção”, em Cuiabá, expondo crianças de 4 a 17 anos para a escolha dos pretendentes pais é de uma perversidade inacreditável. Os efeitos psicológicos da exposição, expectativa e frustração dessas crianças pode ser devastador, ainda que a intenção tenha sido outra”, comentou o ex-presidenciável Guilherme Boulos, que é psicólogo e mestre em psiquiatria pela USP.

Para Sandra Lia Nisterhofen Santilli, psicopedagoga e Conselheira Vitalícia da Associação Brasileira de Psicopedagogia Seção São Paulo, o aspecto físico das crianças é um critério descabido na decisão de algo tão sério como a adoção. Ela afirma que questões comportamentais deveriam ser o foco do primeiro contato entre quem quer adotar e as crianças que estão aptas para encontrar um lar.

“As crianças que estavam ali podem ter tido um dia divertido com a preparação, muita expectativa quanto ao objetivo… mas, quem cuidará dos que não forem escolhidos? A falta de cuidado e proteção com o emocional das crianças é assombrosa”, afirma.

A ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB) lamentou o evento. “Acho que essa é uma das notícias mais tristes que li. Crianças em uma passarela, cheias de sonhos e desejos, buscando aprovação a partir de um desfile, como se parar amar um filho tivéssemos que admirá-los fisicamente”, disse, em publicação feita nesta quarta-feira em seu Instagram.

“Triste. Feira de adoção? Como se fossem pets”, escreveu uma internauta. “Ficou parecendo leilão de boi, por essa eu realmente não esperava”, acrescentou outra.

Na tarde desta quarta-feira (22), a Defensoria Pública de Mato Grosso emitiu um comunicado repudiando o evento. “Corre-se o risco de que a maioria dessas crianças e adolescentes não seja adotada, o que pode gerar sérios sentimentos de frustração, prejuízos à autoestima e indeléveis impactos psicológicos”, diz a instituição.

A Defensoria declara ainda que a exposição dos menores pode levar à objetificação e “passar uma ideia de mercantilização, fato que não coaduna com os princípios norteadores da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88) e do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).”

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