Mensagens de áudios divulgadas por familiares descrevem os últimos momentos dos seis brasileiros que morreram no Chile. Intoxicação por monóxido de carbono é apontada como possível causa da tragédia
Instantes antes de falecer em Santiago, no Chile, Débora Muniz Nascimento de Souza, de 38 anos, enviou mensagens de áudio para familiares no Brasil pedindo socorro. As gravações foram reveladas por parentes nesta quinta-feira (23).
Na primeira mensagem, endereçada para sua irmã que estava no Brasil, Débora demonstra desespero com o estado de saúde do filho Felipe, de 13 anos, e pede ajuda.
A mulher chora, diz que o filho está “roxo” e pergunta se colocá-lo em uma banheira com água quente poderia reanimá-lo. “Eu não sei o que fazer”, afirmou.
No segundo áudio, Débora descreve que os demais familiares também estão apresentando os mesmos sintomas, como fraqueza e vômito. “As minhas articulações também estão parando e ficando roxas”, disse. “Acho que fomos contaminados por algum vírus. Acho que nós todos vamos morrer.”
Morreram no apartamento seis membros de uma mesma família. Fabiano de Souza, 41, a mulher dele Débora Muniz, e os filhos, Karoliny Nascimento de Souza, 14, e Felipe Nascimento de Souza, 13. Também morreram Jonathas Nascimento Kruger (irmão de Débora e tio dos adolescentes), 30, e Adriane Padilha Kruger, sua mulher.
Os parentes das vítimas enviaram os áudios ainda ontem para o consulado brasileiro no Chile e para a polícia chilena, mas quando as autoridades chegaram no imóvel e arrombaram a porta, todos já estavam mortos.
Vazamento de gás
Rodrigo Soto, comandante da polícia de Santiago, disse ao jornal “El Mercurio” que os policiais encontraram um forte cheiro do gás quando entraram no apartamento.
O prédio onde ocorreram as mortes fica no centro da cidade. As autoridades ainda não sabem o que causou o vazamento nem por quanto tempo as vítimas respiraram o gás.
Autoridades afirmaram ainda que, por ter sido um dia bastante frio, de outono, as janelas do apartamento deveriam estar fechadas no momento do vazamento de gás.
“Isso favoreceu para que o monóxido de carbono, se é que foi assim, tenha acelerado a intoxicação dessas pessoas”, disse porta-voz da polícia chilena.
Diego Velásquez, do Corpo de Bombeiros do Chile, confirmou a hipótese e disse que a concentração de monóxido de carbono foi constatada assim que a primeira equipe chegou ao local.
O apartamento data de 1965, possui três fontes de gás para aquecimento e foi alugado pela plataforma AirBnB.
Aniversário e retorno antecipado
A viagem ao Chile foi planejada pela família durante 1 ano para comemorar o aniversário de Karoliny, que faria 15 anos nesta sexta-feira (24).
Nesta quarta-feira (22), porém, dia da tragédia, a família retornaria ao Brasil de forma antecipada após receberem a notícia de que a mãe de Débora e de Jonathas havia morrido em Florianópolis.
“Quando tudo estava acontecendo lá no Chile, nós estávamos velando a mãe deles [Débora e Jonathas] aqui no Brasil. Eles iriam voltar para o velório”, contou Noemi Fortunato, prima de Débora.
Débora, o marido e os filhos viviam em Biguaçu (SC), enquanto Adriane e o marido moravam em Hortolândia, no interior de São Paulo.
Monóxido de Carbono
Apontado como provável causador da morte da família brasileira no Chile, o monóxido de carbono é um tipo de gás altamente tóxico e letal. Segundo especialistas, o maior fator de risco é que ele não tem cheiro e, por isso, pode levar à morte sem que a pessoa se dê conta da intoxicação.
De acordo com o médico Pablo Mortiz, que atua no Centro de Informações e Assistência Toxicológica de Santa Catarina, em geral, em edificações como a alugada pela família no centro de Santiago, a fonte mais comum desse tipo de gás é o sistema de aquecimento.
“O monóxido de carbono é gerado na fonte de calor. Geralmente, o que acontece em prédios mais antigos, é a liberação dele por vazamento nos canos do sistema de calefação”, diz o médico.
“Esse tipo de sistema não é comum no Brasil, mas em países onde ele é, como os Estados Unidos, por exemplo, há uma preocupação enorme com a possibilidade de intoxicação, tanto que prédios mais antigos costumam possuir alarmes para detectar vazamentos”, acrescenta.
Cláudia Regina dos Santos, supervisora do Centro de Informações e Assistência Toxicológica, complementa que esse tipo de gás pode ser gerado a partir de qualquer queima.
“Ele é proveniente da combustão incompleta. Então, toda vez que há qualquer queima, há a liberação dele. Há tipos de aquecedores, por exemplo, em que você precisa acender uma chama, então há uma queima ali. Às vezes, se o aparelho está desregulado, e se o ambiente está completamente fechado, a liberação de monóxido de carbono pode ser muito alta e acabar consumindo o ar”, ressalta.
A exposição ao componente, ainda de acordo com a professora, altera a estrutura da hemoglobina, que tem a função de transportar o oxigênio no corpo, e passa a comprometer o sistema nervoso caso a pessoa continue no ambiente contaminado.
“É altamente letal, porque não tem cheiro nenhum, e justamente por isso é tão perigoso, é muito difícil que a pessoa se dê conta de que está sendo intoxicada”, observa.
Confrontada com a informação passada pela polícia chilena, de que a primeira equipe a chegar no local sentiu um cheiro de gás, Cláudia Regina cita o ‘limiar de odor’.
“Embora a maioria dos tipos de gás libere um cheiro — adicionado justamente para que as pessoas percebam o vazamento –, há o ‘limiar de odor’. Ou seja, após algum tempo, este cheiro torna-se imperceptível. Quando a pessoa chega ao ambiente onde há o vazamento, pode perceber o odor. Porém, caso fique por muito tempo no local, ela acaba se acostumando e não o sente mais.”
Além do monóxido de carbono, as autoridades chilenas não descartam a possibilidade de que a família brasileira tenha sido intoxicada pelo gás usado para a cozinha ou para o aquecimento de água no imóvel. Uma perícia já foi realizada no imóvel, embora o resultado ainda não tenha sido divulgado.
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