Governo volta atrás sobre cortes do MEC e deputados aliados se revoltam
"Não admito ser chamado de mentiroso". Deputados da base de Jair Bolsonaro se revoltam após governo desmentir recuo do corte no MEC. O presidente anunciou a parlamentares aliados que iria rever os cortes na educação, mas logo depois voltou atrás
O governo de Jair Bolsonaro gerou um conflito com deputados que são seus aliados por conta dos cortes de verbas no Ministério da Educação (MEC).
Nesta terça-feira (14), o presidente realizou uma reunião com líderes de sete partidos (Novo, PSL, Podemos, Cidadania, PV, PSC e Patriota) onde anunciou que o governo iria rever o bloqueio de recursos no orçamento do MEC.
A informação, porém, foi desmentida logo em seguida pela Casa Civil, pelo Ministério da Educação e também pela equipe econômica. “Não procede a informação de que haverá cancelamento do contingenciamento no MEC. O governo está controlando as contas públicas de maneira responsável”, disse a Casa Civil em nota à imprensa.
A decisão do presidente havia sido divulgada pelos líderes do PSL, Delegado Waldir (GO), do Novo, Marcel Van Hattem (RS), do Podemos, José Nelto (GO), e do Cidadania, Daniel Coelho (PE).
Segundo eles, durante o encontro, Jair Bolsonaro telefonou para o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e determinou que novos cortes deixem de ser feitos. “O presidente falou que não haverá contingenciamento na pasta da Educação”, disse Diego Garcia (Podemos-PR).
A confusão acontece às vésperas de uma grande manifestação que acontece por todo o Brasil nesta quarta-feira (15) contra o corte de verbas na Educação.
O MEC afirmou que a ligação entre o presidente e o ministro nem sequer existiu. Após a confusão, Weintraub dirigiu-se ao Planalto para falar com o presidente. Segundo a pasta, Bolsonaro disse a ele que o bloqueio será mantido. O Ministério da Economia afirmou em nota que a Presidência não pediu revisão no contingenciamento.
A reportagem procurou novamente os líderes. Van Hattem se disse “surpreso” com o desmentido. Garcia também reafirmou ter visto o telefonema.
O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, enviou o seguinte esclarecimento: “O presidente disse que, se dependesse dele, não haveria corte em nenhum ministério. Contudo, afirmou sermos escravos da lei de responsabilidade fiscal”.
“Boato barato”
Assim que a notícia foi repercutida, a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP) creditou a situação a um “boato barato”. Deputados se incomodaram com sua fala.
Atenção! O ministro da Educação @AbrahamWeint – com quem estou agora – garante que o contigenciamento nas Universidades permanece. Informação confirmada pela @casacivilbr e pelo nosso ministro Paulo Guedes. Governo @jairbolsonaro sabe o q faz. O resto é boato barato.
— Joice Hasselmann (@joicehasselmann) 14 de maio de 2019
O líder do PROS, Capitão Wagner (CE), disse que o “boato barato” é do governo. Um dos presentes à reunião com Bolsonaro, Wagner se disse surpreso e afirmou que foi chamado para discutir o contingenciamento no MEC e a MP 870, que reestrutura a Esplanada dos Ministérios.
“Se boato ocorreu e se o boato é barato, o boato é do governo. Não vou admitir, sendo aliado do governo, ser chamado lá no Palácio do Planalto para tratar uma questão séria como essa, presenciar o presidente da República pegar um celular, ligar para o ministro na presença de vários líderes partidários e, com todas as letras, o presidente disse ‘a partir de agora o corte está suspenso’. Se o governo não sustenta o que o presidente falou na frente de 12 líderes parlamentares não sou eu que vou estar por mentiroso perante a nação”, afirmou Wagner, revoltado, na tribuna da Câmara.
“Como estava o líder do governo na Câmara, o líder do partido do presidente e vem a líder do governo no Congresso e diz que é boato? De quem é o boato? Quem criou o boato foi o governo, que voltou atrás e voltou atrás de novo. Recuou duas vezes. Não admito ser chamado de mentiroso. Espero que amanhã os deputados que estavam na reunião possam indagar o ministro da Educação se ele recebeu ligação do presidente. Porque ou o ministro está mentindo, ou o presidente não ligou para ele. Será que o presidente forjou a ligação na nossa frente? Tenho certeza que não. Então, que o governo possa se pronunciar e ter peito para dizer ‘estou cortando mesmo e pronto’.”
Wagner disse que deseja ajudar o governo, mas que as confusões entre apoiadores de Bolsonaro levarão a uma crise de falta de comando no país.
“O governo está demonstrando mais uma vez que está batendo cabeça. Estão batendo cabeça o PSL, a família do presidente e esse guru lá dos Estados Unidos que fica atrapalhando. Ou o presidente assume a liderança dessa nação ou de fato vamos ter um problema grave de falta de condução desse país”, concluiu.
Acordos
A confusão criada nesta terça-feira pode ser vista como um reflexo de um descrédito por parte dos parlamentares em confiar na capacidade do Executivo em cumprir acordos estabelecidos com o Congresso Nacional.
Uma pesquisa de março, da consultoria Prospectiva, mostrou que 56,9% dos parlamentares temem que as negociações com o Planalto sejam descumpridas por deslealdade ou incapacidade. Dentro da base aliada do presidente, a descrença é de 40,5%.
Convocação na Câmara
Em meio aos recuos e protestos, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, deverá comparecer nesta quarta-feira (15) na Câmara dos Deputados para prestar esclarecimentos sobre os anunciados cortes no orçamento de universidades públicas e de instituições federais.
Na noite desta terça-feira (14), os parlamentares aprovaram por 307 votos a 82, sua convocação. O ministro deve comparecer à Câmara às 15h.
Esta será a segunda vez que ele vai ao Congresso para explicar seus planos para o ministério em uma semana. Na última terça-feira (7), o ministro afirmou que “todo mundo no país está apertando o cinto” para justificar os bloqueios, que, segundo ele, podem ser revertidos após a aprovação da reforma da Previdência.
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