Chama a atenção o uso de alguns termos pelo ideólogo do presidente. Mais do que sintoma de mudança cultural, um tema para sociólogos e antropólogos, trata-se de um caso para psicanalistas
Sirio Possenti, Dito e Feito
Os palavrões agora (agora mesmo!) são uma arma política. Tradicionalmente, esses termos eram de uso restrito, ocorrendo basicamente no interior de grupos – predominantemente masculinos – e em situações preferencialmente privadas (os estádios eram a exceção).
Nos últimos tempos (não, não tenho estatísticas), o palavrão se tornou mais livre. O “pentelho” tornado usual em um programa de TV dos domingos à tarde talvez seja um dos principais fatos culturais recentes.
Um traço interessante da questão é que mudanças sociais alteram a avaliação dos palavrões. Alguns deixam o campo, com o tempo. Quem aí sabe que “babaca” já foi um palavrão e que se referia a um órgão da zona genital? (Segundo Souto Maior, Dicionário do palavrão e termos afins, é palavra de origem Tupi).
E você sabia que há não muito tempo ninguém dizia “menstruação”?
Alguns dos melhores documentos sobre tal mudança cultural são piadas. Lá vão duas:
a) um menino de dois anos diz a seu a amiguinho na creche: – Ontem eu vi uma camisinha no pátio. – O que é pátio?, pergunta o outro. Explico (linguistas precisam explicar o óbvio: vivemos em uma cultura em que se sabe o que é uma camisinha antes de saber o que é pátio)
b) a avó diz à neta que a adora, que é linda etc., mas não gosta muito que ela diga constantemente duas palavras pouco finas. Uma é bacana e outra é nojenta. – Tá bom, vó, e quais são as palavras?, responde a neta (essa eu não vou explicar).
É de 1983 um livro (Falas masculinas, falas femininas; Brasilense). Um dos estudos nele publicados é de Nora Galli de’ Paresi: “as palavras tabus e a mulher” (especialista em eufemismos). Sua pergunta específica era sobre eventuais mudanças culturais posteriores à década de 1960 – período de grandes mudanças de valores, como sabem todos os que têm mais de 30 anos.
Um dos resultados da pesquisa foi que houve mudanças quantitativas e qualitativas. “De um ponto de vista quantitativo, as mulheres empregam um maior número de palavras tabus do que o faziam antes.” E, do ponto de vista qualitativo, “a diferença de comportamento na escolha dos termos desapareceu, sobretudo entre os jovens”. Mais: “Antes de 68, a maioria (dessas exclamações) só era empregada por homens (…). As mulheres apropriaram-se do vocabulário masculino” (p 67).
Outros estudos poderão mostrar outros resultados. O que interessa aqui não é esse, em especial, mas o fato de que ele ilustra a relação entre mudanças culturais e a queda de tabus.
Mas, neste domínio, o que mais chama atenção, ultimamente, é a abundância (êpa!) da palavra “cu” nas postagens de Olavo de Carvalho. Talvez só certos nomes populares da vulva sejam mais controlados do que esta palavra.
Tudo indica que, mais do que sintoma de mudança cultural, que é um tema para sociólogos e antropólogos, trata-se de um caso para psicanalistas, incluindo o traço agressivo das postagens nas quais o monossílabo comparece.
Se a fixação do Olavão fosse outra (mas pode ser que seja!), ele bem poderia abandonar os últimos escrúpulos e ir a um cartório para excluir o V de seu sobrenome. Carvalho!!!
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