Educação

Pesquisador alemão diz que “não se faz sociedade sem Ciências Humanas”

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A crise da ciência brasileira não passou despercebida para um dos seus principais parceiros: a Alemanha. "Não se faz uma sociedade moderna sem Ciências Humanas", diz presidente da Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa

Peter Strohschneider (Imagem: Captura de tela Youtube)

A crise da ciência brasileira não passou despercebida para um dos seus principais parceiros: a Alemanha. Em São Paulo para o encontro anual do Conselho de Pesquisa Global (GRC), o presidente da Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG), Peter Strohschneider, afirma que o futuro das parcerias ainda não está claro.

Para o cientista alemão, o apoio a todas as áreas do conhecimento, inclusive Ciências Humanas, é a chave do sucesso de um país. “É impossível pensar no desenvolvimento de uma sociedade moderna sem as Ciências Humanas. Digo isso de forma muito categórica“, afirma, em entrevista à DW.

A ciência brasileira enfrenta uma crise grave. Nesse cenário, as cooperações com Alemanha passam a correr risco?

Peter Strohschneider: Eu ainda não consigo fazer essa avaliação. Posso observar, claro, que a situação de agências parceiras ligadas ao Ministério da Educação é um pouco menos preocupante que a situação daquelas ligadas ao Ministério de Ciência.

Dos nossos parceiros aqui em São Paulo nós tivemos a garantia de que o que estava previsto será cumprido, que não precisamos nos preocupar. No nível federal é um pouco diferente.

Mas tenho a impressão de que – e isso é algo para ser observado em muitos lugares do mundo -, quando a politica científica nacional passa por dificuldades, como acontece agora no Brasil, a cooperação internacional ganha mais peso e vira uma espécie de fator estabilizante para as agências nacionais.

A DFG mantém muitas colaborações com o Brasil. Como o senhor avalia a qualidade dessa cooperação?

Muito positivo. Temos em São Paulo um escritório da DFG que representa toda a América Latina. Mas é claro que o Brasil tem uma relevância não apenas na questão do financiamento, mas também na qualidade. Também devo mencionar a questão da relação de confiança, do tom amigável.

Estamos muito conscientes de que a situação das agências de fomento difere bastante em nível federal e regional. Em São Paulo, por exemplo, a capacidade para fazer pesquisa, a atratividade e a prontidão para cooperações internacionais tornam o estado mais representativo que outros.

Aqui em São Paulo temos tido reuniões muito produtivas com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Temos feito planejamentos que, certamente, serão executados em pouco tempo. E isso é uma contribuição importante para fortalecer a qualidade e intensidade da nossa cooperação.

Nesta reunião anual do Conselho Global de Pesquisa, vocês discutem como lidar com a expectativa da sociedade que espera um retorno econômico rápido da pesquisa na economia. Por que esse tema é urgente?

Estamos confrontando questões como: o que significa quando a sociedade e a politica esperam que a pesquisa contribua diretamente e em curto prazo para o desenvolvimento econômico e social? Como, dentro do sistema de financiamento de ciência, nós lidamos com isso, com essa expectativa crescente?

O tema existe praticamente desde que existe ciência, em torno do debate se a ciência é definida pela sua função da busca pela verdade ou por sua utilidade. Esse é uma falsa dicotomia. Ninguém quer produzir um conhecimento inútil.

Nós estamos tentando analisar essa questão no encontro anual e analisar o que significa isso para as agências de fomento e suas colaborações.

A Alemanha é um dos países no mundo que mais investe em pesquisa. Qual o impacto desse investimento na economia do país?

A pesquisa é de importância extrema não apenas para a sociedade, mas também para a economia. Por ano, cerca de 80 bilhões de euros são investidos em pesquisa na Alemanha. Desse total, cerca de dois terços são investimentos privados para pesquisa e desenvolvimento industrial. Um terço é investimento público nas universidades, centros de pesquisa.

Isso tem um significado muito relevante para esse país de tecnologia de ponta que é a Alemanha. E falo não apenas das áreas de engenharia, mas também em áreas como biotecnologia, inteligência artificial. São investimentos que seguem para setores considerados importantes para a economia, mas também para sociedade – são tecnologias que oferecem não apenas grandes oportunidades econômicas, mas também têm papéis importantes para a sociedade, para sua regulação, para questões socioculturais.

Investimentos que seguem também para as Ciências Humanas? Estamos vendo no Brasil um questionamento sobre a importância dessa área do conhecimento.

Eu ouvi sobre esse debate. Eu estou convencido sobre a importância das Humanidades – não apenas porque eu venho dessa área. Ciências Humanas têm um papel fundamental no desenvolvimento de uma sociedade moderna. É impossível pensar no desenvolvimento de uma sociedade sem as Ciências Humanas. Digo isso de forma muito categórica.

A discussão sobre gênero também está na pauta. Na avaliação do senhor, ainda existe muita desigualdade entre cientistas homens e mulheres?

Sim, a desigualdade é visível. É uma desigualdade diferente dependendo da área do conhecimento, do país. Em países escandinavos, por exemplo, o cenário é mais avançado que na Alemanha. Por outro lado, os países europeus estão um pouco mais avançados que os países árabes. Mas podemos dizer que, ainda, as mulheres estão sub-representadas na ciência, o que é um prejuízo não apenas para as mulheres, mas também para a ciência.

Essa sub-representação também depende do nível hierárquico na ciência: quanto mais alto o cargo, menor a representação feminina. Existe ainda a questão das disciplinas específicas – a situação na área de literatura, por exemplo, é muito diferente da eletrotécnica.

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Nádia Pontes, Deutsche Welle

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