Policiais executaram reféns durante assalto a banco no Ceará, mostra vídeo
Imagens revelam que policiais militares executaram reféns durante assalto a banco no Ceará. Polícia Civil aponta que militares alteraram cena do crime, destruíram provas e apagaram vídeos do circuito interno para atrapalhar investigações. Defesa dos PMs fala em "excludente de ilicitude"
A investigação de um assalto a banco na cidade de Milagres, no interior do Ceará, revelou que seis reféns foram executados pela Polícia Militar. O crime aconteceu no dia 7 de dezembro de 2018.
Os reféns foram alvejados pelos PMs quase que à queima roupa com dezenas de tiros de fuzil. Durante todos esses meses, os militares agiram de diversas formas para manipular as investigações.
No entanto, a Perícia Forense da Polícia Civil conseguiu recuperar imagens de câmeras de segurança que os policiais militares haviam apagado. O caso era mantido sob segredo de Justiça, mas o juiz responsável retirou o sigilo no último dia 20 de maio.
A princípio, os investigadores pediram a prisão preventiva de 15 militares, mas o Ministério Público não incorporou os pedidos de prisão na denúncia apresentada à Justiça, alegando falta de evidências e provas.
A imagens recuperadas revelaram, por três diferentes ângulos, o momento em que a composição do capitão Azevedo dispara na direção dos reféns, que estavam atrás de um poste, na calçada lateral do banco Bradesco.
Os disparos contra os reféns aconteceram “quando a situação já estava controlada” e não havia mais nenhum assaltante no local, aponta a investigação. Na ocasião, morreram 5 pessoas de uma mesma família de Pernambuco.
Defensor dos PMs, o advogado Ricardo Valente Filho alega que a ação policial configura “excludente de ilicitude”. Sobre o assassinato das vítimas de Pernambuco, feitas reféns, Ricardo afirma que “elas não gritaram, não pediram socorro, não acenaram, sem comunicação verbal ou visual.”
19 policiais denunciados
Câmeras de diversos estabelecimentos no entorno da cena do crime registraram a ação. Foram essas imagens que os policiais militares conseguiram apagar, mas que foram recuperadas por técnicos da Perícia Forense.
A câmera de um supermercado mostra que os PMs atiravam na direção dos reféns quando todos os assaltantes já estavam caídos mortos ou tinham se evadido do local, às 2:30 da madrugada.
Os reféns, que se escondiam atrás de um poste, abraçados, eram João Batista e Vinícius Magalhães (pai e filho), Cícero Tenório, Claudineide Campos e Gustavo Tenório (pai, mãe e filho).
A comissão de delegados e peritos forenses que investigou o caso enviou um inquérito ao Ministério Público do Estado do Ceará, que apresentou duas denúncias à Justiça.
“No momento em que a equipe do capitão Azevedo chega à posição dos disparos que atingem as vítimas/reféns, ou seja, durante a progressão pela calçada da via no sentido da Prefeitura à agência do Bradesco, a situação de confronto já inexistia”, afirma o relatório final da comissão de investigação.
A Justiça do Ceará aceitou a denúncia do Ministério Público que aponta 19 policiais militares envolvidos no massacre. Além de homicídio doloso, os policiais são acusados de fraude processual.
O vice-prefeito de Milagres, Abraão Sampaio de Lacerda, também foi acusado de fraude processual por tentar apagar evidências da participação de policiais no crime.
Provas destruídas
Horas depois da chacina, quando moradores da cidade ainda estavam reclusos em suas casas e os primeiros raios de sol ameaçavam aparecer, os policiais militares iniciaram o processo de destruição de provas.
Dois PMs recolheram objetos do chão da calçada que fica do lado oposto ao banco — o mesmo caminho que foi percorrido pelos militares que mataram os reféns. Isso ocorreu às 5h da manhã.
Os policiais moveram os cadáveres dos inocentes com o objetivo de induzir a erro os agentes da perícia forense que examinariam a cena do crime.
Às 6h da manhã, já com a presença de alguns comerciantes e populares nas ruas, dois policiais militares encapuzados e com uniformes especiais pretos conversam com o dono de um comércio do qual as câmeras foram periciadas.
Em seguida, um dos PMs fala pelo rádio e eles entram no estabelecimento através de uma portal lateral. Os policiais encapuzados foram identificados como tenente Medeiros e o cabo Natanael.
O relatório final da Polícia Civil revelou que eles formataram, por duas vezes, o HD do aparelho que guardava as imagens do supermercado, que possuía o melhor ângulo em relação ao local da morte dos cinco reféns.
Repercussão
Desde que a Justiça removeu o sigilo do caso, houve repercussão nas redes sociais. “Executaram uma família inocente e ainda querem matá-los novamente, imputando culpa a eles. Vergonha e indignação com tudo isso”, protestou um internauta.
“Tá aí para que serve o novo pacote de Sergio Moro: para a polícia sentar o dedo e assassinar uma família refém. Excludente de ilicitude, de razão, de humanidade”, lamentou outro.
“Alguém informe a esse advogado dos PMs que o ‘excludente de ilicitude’ não se aplica quando há a intencional adulteração na cena das ações policiais, pelos policiais envolvidos, com a clara intenção de atrapalhar as investigações”, observou outro.
Relembre o caso
Na madrugada de 7 de dezembro, uma operação do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), a elite da Polícia Militar cearense, agiu para impedir o ataque de uma quadrilha que tentava roubar agências do Banco do Brasil e do Bradesco no município de Milagres (CE).
O confronto resultou em 14 mortos, sendo seis reféns que haviam desembarcado no aeroporto de Juazeiro — cinco pessoas pertenciam à mesma família.
A partir daquele dia, a Polícia Militar informou que os civis que morreram na ação foram executados pelos assaltantes. A versão foi comprada pela imprensa. A investigação, que durou quase 6 meses, mostrou que a PM estava mentindo.
Imagem mostra policiais, no canto superior direito, disparando contra reféns, que se esconderam atrás de um poste