João Miranda
Colunista
Política 11/Jun/2019 às 01:39 COMENTÁRIOS
Política

As entranhas da Lava Jato começam a ser desmascaradas

João Miranda João Miranda
Publicado em 11 Jun, 2019 às 01h39

A série de reportagens reveladas pelo site “The Intercept Brasil” evidenciam o que já sabíamos: o profundo tendencionismo dos procuradores da Lava Jato e do ex-juiz federal e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

Ninguém precisa conhecer muito Direito para perceber que o estado de coisas envolvendo a operação Lava-Jato carrega problemas jurídicos graves desde quando foi deflagrada, em março de 2014.

Práticas políticas questionáveis como toda a operação repressiva e espetacularizada envolvendo, por exemplo, o depoimento do ex-presidente Lula, assim como o vazamento seletivo de informações da operação, um abuso de prisões preventivas e de delações, criaram um clima ‘schmittiano’ de suspensão da lei, intensificado por uma relação promíscua entre Judiciário e ‘grande mídia’.

Até as pedras do calçamento viram a mídia receber da operação uma série de informações, delações, áudios vazados e, com todo esse aparato, cobrirem exaustivamente essa investigação, explorando tudo em seus mínimos detalhes e, quase sempre, fazendo ilações, apostando em denúncias, até condenando moralmente os envolvidos nos esquemas de corrupção antes do julgamento.

As redes corporativas de notícias recebem dessa instituição uma série de informações e, coincidentemente, sempre estão a postos com câmeras na mão no exato momento e lugar em que ocorrem prisões preventivas. A participação da mídia fica ainda mais evidente na maneira como ela cobre o escândalo da Petrobrás e no modo como cobriu as manifestações pró-impeachment e o próprio processo de impeachment.

O agendamento e enquadramento realizado pela grande mídia brasileira nos últimos tempos marca o seu repertório com o posicionamento claramente contra a esquerda, em especial, contra o PT e suas figuras principais. O próprio nome que cunharam para o esquema de corrupção na Petrobrás, chamando-o de Petrolão, é claramente um esforço de iguala-lo a outro envolvendo esse partido, o Mensalão, que veio à tona entre 2005 e 2006.

Concomitantemente, segmentos da alta classe média no alto escalão do Judiciário – juízes, procuradores, desembargadores, defensores públicos, delegados e outros – valem-se de suas posições para de maneira quase unilateral denunciar, investigar e julgar não só os políticos do PT, mas uma série de militantes do campo progressista.

A série de reportagens reveladas no último domingo, 9, pelo site “The Intercept Brasil”, evidenciam o profundo tendencionismo da cúpula da Lava Jato, principalmente de Deltan Dallagnol e do ex-juiz federal e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

Temendo eleição de Haddad, os procuradores da operação discutiram no aplicativo Telegram maneiras de evitar que fosse realizada uma entrevista do ex-presidente Lula ao jornal “Folha de S. Paulo”, autorizada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski, no ano passado. Temiam que a entrevista, que aconteceria com a colunista Mônica Bergamo a menos de duas semanas do primeiro turno, pudesse “permitir a volta do PT”.

Nas conversas, que abarcam o período de 2016 a 2018, Moro sugeriu que o procurador trocasse a ordem de fases da Lava Jato, de forma que não ficasse “muito tempo sem operação”. O ex-juiz também antecipou uma decisão que ele ainda não havia tornado pública e deu conselhos, pistas informais de investigação e puxões-de-orelha em Dallagnol.

Dessa forma, as entranhas da Lava Jato começam a ser desmascaradas. As reportagens evidenciam, ainda, a injustiça em relação a prisão de Lula. A sua condenação se deu via um processo ilegal, pautado por juízes e procuradores notoriamente parciais e que não só não possuíam provas contra o ex-presidente, como também não conseguiram sequer caracterizar a ocorrência de um crime. Como as matérias do The Intercept mostraram, Dallagnol duvidava das provas contra o ex-presidente e de propina da Petrobras horas antes da denúncia do tríplex.

Por isso, ser contra o que está envolvendo Lula significa posicionar-se contrariamente a um movimento que coloca em risco a democracia, a justiça, a Constituição. Não se trata de defender Lula em si e muito menos o PT. Ser contra esse processo identifica uma tomada de posição a favor da defesa dos direitos humanos fundamentais, como o direito a defesa em liberdade. Para lutar pelo Estado Democrático de Direito não é necessário ser dilmista, lulista, muito menos petista.

Não só por isso, mas também porque a Lava Jato, dentre outros danos, advogou contra o próprio Estado brasileiro, transformando a Petrobrás, entre outras empresas públicas brasileiras, de vítima em coautora das fraudes.

Ora, seria nonsense minimizar os interesses de Estado, principalmente a influência norte-americana, presentes nessas investigações supostamente contra a corrupção em empresas públicas e privadas nacionais. Se non è vero, è bene trovato que se trata de mais uma forma de as potências capitalistas diminuírem o valor dessas empresas e, assim, conseguirem um campo aberto para aumento dos seus lucros.

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Vale recordar que em 2013 o Wikileaks revelou que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) tinha grampeado os telefones do Gabinete de Dilma, de alguns ministros, do avião presidencial, das missões diplomáticas brasileiras e da Petrobras. Os cables do Departamento de Estado indicam o interesse norte-americano no petróleo brasileiro, principalmente, no Pré-sal.

Não se trata, neste sentido, de uma luta contra o crime, mas de uma disputa claramente inspirada e estimulada pelo grande capital internacional, com interesse especial nos reflexos que a investigação está causando baixas nos índices contábeis das empresas brasileiras e no nosso mercado, além de ter sido usado como instrumento para abrir as portas para a extrema-direita chegar ao poder sob a figura de Jair Bolsonaro.

Diante das matérias do The Intercept, Sergio Moro e o Ministério Público Federal devem explicações à população brasileira. E não aquela notinha ridícula que publicaram. Além disso, o caso deveria também ser suficiente não só para acabar com as pretensões do ministro de conseguir uma vaga no STF, como também para derrubá-lo, conjuntamente com Dallagnol.

Precisamos ir às ruas. Não por esperança. Mas por imperativo ético. E isso não amanhã. Ontem.

Rumo à greve geral

*João Miranda é professor de história. Email: [email protected]

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