Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Pelo menos umas duas vezes por mês escuto Belchior. Ele não compôs só Como Nossos Pais. Sua sensibilidade quanto ao quotidiano, ao homem comum, foi muito mais além.
No último dia catorze de junho, participei da greve geral contra a Reforma (destruição) da Previdência. Mais do que isso, diretor do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Portão/RS, ajudei a organizá-la naquela cidade.
Fiz por convicção. Por realmente crer que a maioria das mudanças propostas é injusta e repassa as contas aos mais pobres deste país, aos quais eu, professor da educação básica da rede pública, me incluo.
Ouvi alguns descontentamentos por parte de colegas e outras ofensas de desconhecidos em redes sociais. Dos primeiros, a inconformidade advinha do fato de que teremos que recuperar essa aula não dada num sábado. Dos seguintes, os impropérios foram entorno da ideia de que grevista é vagabundo.
Belchior: “Era um cidadão comum como esses que se vê na rua / Falava de negócios, ria, via show de mulher nua / Vivia o dia e não o sol, a noite e não a lua / Acordava sempre cedo (era um passarinho urbano) / Embarcava no metrô, o nosso metropolitano… / Era um homem de bons modos: / ‘Com licença; – Foi engano’”
A greve referida foi decidida por aclamação numa assembleia amplamente divulgada. Em decorrência dela e da iminente possibilidade de faltar transporte público, ou mesmo de estradas e vias serem bloqueadas, o Prefeito decretou ponto facultativo. Ficar em casa de folga (o que é legítimo, já que o dia será recuperado) ou sair às manifestações era uma opção de foro íntimo.
Durante nossa caminhada, ainda tivemos que ouvir alguns impropérios pela rua. O “vagabundos” foi a alcunha que mais pegou. Os transeuntes que legitimamente discordavam de nós (não sei ao certo se eles têm a real dimensão do quão serão prejudicados, mas o contraditório é legítimo) nada sabiam de cada um de nós.
Muitos deixaram filhos em casa para irem se manifestar. Outros gastaram com combustível. Todos podíamos estar em casa, economizando, descansando, discutindo pelas redes sociais. Mas nós, trabalhadores e não vagabundos, acordamos cedo e fomos tentar mudar um destino perverso pensado não pelos assalariados, mas pelos que faturam milhões e nada produzem, pois só quem produz realmente são os trabalhadores.
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Segue Belchior: “Era feito aquela gente honesta, boa e comovida / Que caminha para a morte pensando em vencer na vida / Era feito aquela gente honesta, boa e comovida / Que tem no fim da tarde a sensação / Da missão cumprida / Acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis / Dizia sempre sim aos seus senhores infalíveis”.
Eu também sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco e sem parentes importantes. Mas meu Deus é outro. Ele é justo e não faz arminha. Não posso compulsoriamente dizer sim aos meus senhores infalíveis. Pelo menos não sem protestar.
No fim daquela tarde, tive, do meu jeito, a sensação da missão cumprida. Tava pronto prum show de mulher nua.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha” e 1º Secretário do Simpo”
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