Antes de morrer, a jovem pediu ajuda porque não aguentava mais seu sofrimento psíquico. Ela se despediu de seus milhares de seguidores no Instagram com uma mensagem em que comunicava sua decisão
Isabel Ferrer, ElPaís
Noa Pothoven, uma adolescente holandesa de 17 anos afligida por transtorno do estresse pós-traumático, anorexia e depressão, morreu no último domingo em sua casa, em Arnhem (leste do da Holanda). Vítima de abusos sexuais aos 11 e aos 12 anos de idade, e de estupro aos 14 anos, solicitou a eutanásia porque já não aguentava mais seu sofrimento, mas a clínica a rejeitou, de acordo com um comunicado que emitiu depois de se espalhar erroneamente em vários meios, incluindo ElPaís, que os médicos a ajudaram a morrer. “Por motivos de privacidade não podemos fazer nenhum comentário. Nos referimos ao que os amigos de Noa disseram esta tarde: ‘Não foi uma eutanásia, ela deixou de sofrer, parou de comer e beber.”
Noa deixou escrito em sua conta no Instagram no último sábado: “Serei direta: dentro de dez dias terei morrido. Estou exausta após anos de luta, e parei de comer e beber. Depois de muitas conversas e de uma análise da minha situação, decidiram me deixar ir embora, porque minha dor é insuportável”, escreveu a menina no sábado passado. Não mencionou a data exata, mas morreu no domingo.
A eutanásia é legal na Holanda desde 2002, e maiores de 12 anos podem solicitá-la se sofrerem de enfermidades sem cura e padecimentos insuportáveis. Até os 16 anos, é necessária a autorização dos pais. A adolescente queria deixar de sentir dor.
“Não vivo há muito tempo, sobrevivo, e nem isso“, contou na sua mensagem final. “O amor é deixar ir embora. Neste caso é assim”, acrescentou, aproveitando seus últimos dias para se despedir da família e amigos. Tinha pais, um irmão e uma irmã, e gostava de escrever e de ter porquinhos da Índia como mascotes. Ela estava na cama, que tinha sido instalada na sala de jantar.
A primeira agressão sexual contra Noa ocorreu quando ela tinha 11 anos, em uma festa escolar. Até então, tinha sido uma menina alegre e com boas notas na escola. Um ano depois, voltou a acontecer, desta vez em uma festa de adolescentes. Quando completou 14, foi estuprada por dois homens em um beco da sua cidade. Na época não contou a ninguém. Só depois denunciou, e sua mãe, Lisette, explicou que reviver o ataque foi demais para sua filha.
Desde então, ela sofria de anorexia, e sua vida virou um entra-e-sai de hospitais e centros especializados. Ao comprovar seu estado emocional, os juízes a internaram à força em uma instituição durante seis meses: lá foi imobilizada e isolada para que não se lesionasse. “Nunca, nunca mais voltarei para um lugar assim. É desumano”, disse Noa, tempos depois.
Ao sair dessa clínica, a anorexia piorou. Sua família denunciou a falta de lugares apropriados na Holanda para casos como o de sua filha. Teve que esperar seis meses para que a admitissem em um centro especializado em transtornos alimentares, e acabou hospitalizada e com uma sonda nasogástrica. Seu caso chegou aos meios de comunicação nacionais em 2018, e posteriormente ela publicou um livro, intitulado Ganhar ou Aprender, em que contava sua história.
Apesar da dureza de seu caso—porque a eutanásia não costuma ser solicitada por adolescentes ou jovens com dores psíquicas—, suas tentativas de suicídio e a peregrinação até encontrar o tratamento adequado mobilizaram a opinião pública holandesa.
A mãe denunciou a falta de instituições para jovens com os problemas físicos e emocionais da sua filha e criticou os serviços de assistência social dedicados aos menores, “com uma burocracia e listas de espera que são de enlouquecer”. Disse também que o livro da menina agora “deveria ser de leitura obrigatória para cuidadores, juízes e prefeituras com responsabilidade neste terreno”, porque a dor psíquica derivada de um trauma desse tipo não é reconhecida.
O livro ganhou um prêmio em março passado, e Noa na época comentou: “Não sei se continuarei escrevendo”.
Há alguns meses, a adolescente fez listas de coisas que gostaria de fazer, como “andar de moto, fumar um cigarro, beber álcool, fazer uma tatuagem e comer um chocolate“. “Faz anos que não os provo por causa da minha anorexia”, observou.
Ao mesmo tempo, e sem que ninguém de sua família soubesse, entrou em contato com a Clínica para Morrer (Levenseindekliniek), uma instituição privada holandesa que pratica a eutanásia desde 2013, com autorização, mas fora do circuito da medicina pública. A ela recorrem especialmente as pessoas afligidas por sofrimentos psíquicos, os quais são mais difíceis de avaliar objetivamente que os males físicos, e que figura na Lei de Eutanásia (2002) nos casos em que não tiver sua origem imediata em uma afecção física.
A lei holandesa permite eutanásia, que é praticada por um médico, o suicídio assistido (em que o paciente toma uma substância preparada pelo profissional) e a combinação de ambos. O médico pode se recusar a colaborar, ou, caso aceite, precisa assegurar que o sofrimento do paciente é insuportável e que ele pede a eutanásia de forma consciente e repetida, e deve consultar posteriormente outro colega. O desrespeito a essas normas acarreta penas de até 12 anos de prisão.
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