A promotora racista que incriminou 5 jovens negros inocentes por estupro
Jovens negros inocentes foram presos e passaram mais de uma década na cadeia, condenados por estupro. Promotora racista foi responsável pela acusação
Assistir ao drama Olhos Que Condenam na Netflix é perturbador. No conforto de sua casa ou com a praticidade de um celular na mão, o telespectador se depara com uma trama agonizante, na qual policiais brancos forçam cinco adolescentes (quatro negros e um latino) a confessarem um crime que não cometeram.
A história incomoda porque é real.
Criada e dirigida por Ava DuVernay, cineasta negra com filme e documentário indicados ao Oscar, a minissérie faz justiça racial ao expor como esses jovens foram condenados erroneamente por um sistema policial e legal embranquecido, rápido ao colocar garotos pobres como culpados de espancar e estuprar uma mulher loira, branca e rica.
Olhos Que Condenam (When They See Us, em inglês) retrata o infame caso da Corredora do Central Park, como a mídia americana da época rotulou o ataque que a investidora bancária Trisha Meili (Alexandra Templer), então com 28 anos, sofreu dentro do parque nova-iorquino, na noite de 19 de abril de 1989.
Naquela data, como em tantas outras, dezenas de jovens negros e latinos se divertiam no parque. Alguns deles começaram a fazer arruaça, e outros frequentadores ligaram para a polícia reclamando da importunação. Ao descobrirem o corpo de Trisha violentado no chão, os policiais precipitadamente ligaram os pontos e foram atrás desses jovens.
Entre 30 menores, cinco foram “escolhidos” pela polícia, que construiu uma narrativa de mentiras para incriminá-los. Quem liderou essa fábrica de acusações foi Linda Fairstein, interpretada com precisão por Felicity Huffman. Ela fez vista grossas a inúmeras evidências que inocentavam os rapazes, incluindo testes de DNA, pois queria que alguém fosse punido pelo ataque contra a corredora.
Ao seu lado estava a procuradora Elizabeth Lederer, vivida pela magnífica Vera Farmiga, que dá show. Elizabeth tentava ser a voz do equilíbrio, sempre pontuando que os argumentos contra os jovens eram inconsistentes. Mas Linda insistia, e as duas acabaram jogando sujo no tribunal.
No final das contas, os cinco rapazes, entre 14 e 16 anos, foram condenados por várias acusações: roubo, estupro, lesão corporal, motim e tentativa de homicídio. Pegaram de 5 a 15 anos de prisão. Depois de mais de uma década, em 2002, foram liberados, após evidências de DNA comprovarem a inocência deles.
Outro lado
Olhos Que Condenam joga luz no outro lado do caso da Corredora do Central Park. Enquanto evidencia o racismo do sistema contra os adolescentes, os quatro episódios da minissérie mostram como os garotos vivam antes do caso estourar. A atração se preocupa em deixar claro que todos eram meninos normais, que pensavam no futuro, curtiam as namoradinhas e aproveitavam o dia a dia.
A produção da Netflix também assume o papel de contar para o público como é a vida de um ex-presidiário, ressaltando que isso afeta não só o indivíduo, mas também a todos ao seu redor. A série dá um salto no tempo e mostra como os adolescentes cresceram após deixarem a cadeia e tentam se inserir na sociedade, com a marca de serem visto como culpados pelo estupro de uma mulher.
Profunda, Olhos Que Condenam é uma série necessária, embora seja agonizante ver como poderosos fazem de tudo para justificar uma narrativa inventada de um crime, sem se preocuparem com a vida de quem está no banco dos réus.
A série tem elenco formidável e chegará com força para brigar pelas principais estatuetas do Emmy nas categorias de minissérie. Entre os adultos, além de Vera Farmiga e Felicity Huffman, vale destacar os nomes de Michael K. Williams, pai do garoto Antron McCray; Kylie Bunbury, irmã de Kevin Richardson; e John Leguizamo, pai de Raymond Santana.
O quinteto de atores que interpreta os meninos também é digno de nota. Se destacam Asante Blackk, que vive o Kevin; Jharrel Jerome, o Korey Wisey; e Caleel Harris, o Antron. Especialistas já cravam que Jharrel Jerome, no mínimo, merece uma indicação ao Emmy. Ganhar é outra coisa, porque ele deve concorrer com Mahershala Ali (True Detective).
Repercussão
Após a estreia da série, o caso dos ‘Cinco do Central Park’ reacendeu o debate sobre discriminação racial. A ex-promotora Linda Fairstein responsável pela acusação injusta dos jovens negros agora enfrenta consequências da condenação.
De acordo com o TMZ, fontes da ONG Safe Horizon, que ajuda vítimas de abuso e crimes violentos em Nova York, revelaram que os funcionários ficaram indignados com o fato de Fairstein ter permanecido no conselho de uma organização para minorias por tanto tempo.
Agora ela se demitiu da bancada da Universidade Vassar, assim como da bancada da organização Safe Horizon após a repercussão.
“Disseram-me que a Sra. Fairstein sentiu que, após o amplo debate sobre seu papel no caso de Central Park, ela acredita que continuar como membro da bancada geraria repercussão negativa para Vassar”, escreveu a presidente da Universidade Vassar (via Variety).
A Safe Horizon confirmou à Variety que Fairstein se demitiu de sua bancada e mandou uma declaração agradecendo pelo seu trabalho, reiterando que sua “prioridade é empoderar vítimas e sobreviventes”.
A hashtag #CancelLindaFairstein (cancele Linda Fairstein em tradução livre) ganhou força no Twitter, e mais de 87 milhões de pessoas assinaram uma petição do Change.org pedindo para que as livrarias parem de vender os livros de Fairstein.
Assista ao trailer:
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com informações do Notícias da TV