Meio Ambiente

Desmatamento bate recorde em um dos últimos “escudos” da Amazônia

Share

Desmatamento em um dos últimos escudos da Amazônia cresceu 44,7% em maio e junho em comparação com mesmo período de 2018. Mundo vê com alarde e espanto destruição do meio ambiente brasileiro

Trecho desmatado no Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso. (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

reportagem de João Fellet, da BBC Brasil

O desmatamento em unidades de conservação na bacia do rio Xingu, nos estados do Pará e Mato Grosso, cresceu 44,7% em maio e junho de 2019 em comparação com o mesmo período do ano anterior, reforçando a tendência de alta no desflorestamento da Amazônia e ampliando as pressões sobre um dos principais corredores ecológicos do bioma.

Os dados são do Sirad X, boletim publicado a cada dois meses pela Rede Xingu+, que agrega 24 organizações ambientalistas. Além de compilar imagens de satélite, o sistema usa radares que permitem detectar o desmatamento mesmo em períodos chuvosos do ano.

O boletim diz que, entre janeiro e junho deste ano, a região perdeu 68.973 hectares de floresta – área equivalente à cidade de Salvador. A bacia do Xingu abriga 26 povos indígenas e centenas de comunidades ribeirinhas, que dependem do bom funcionamento dos ecossistemas locais para sobreviver. A região tem tamanho comparável ao do Rio Grande do Sul.

Como mais da metade da bacia é composta por áreas protegidas, ela também serve como uma espécie de escudo da Amazônia em sua porção oriental, dificultando o avanço do agronegócio pela floresta. E ela é uma das últimas áreas do bioma amazônico em contato com o Cerrado, o que lhe confere papel central em estudos sobre biodiversidade.

Quando se compara o desmatamento de maio e junho no Xingu com o do bimestre anterior, o aumento foi de 81% para toda a bacia e de 405% para unidades de conservação.

Governo Bolsonaro

O tamanho do aumento do desmatamento foi considerado alarmante pelos autores do estudo. Para eles, o crescimento se explica por ações do governo Jair Bolsonaro que fragilizaram o combate a crimes ambientais e por declarações do próprio presidente que estariam encorajando atividades ilícitas, especialmente o garimpo.

Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, têm pregado uma mudança na política ambiental que reduza a ênfase em punições e considere o impacto econômico de atividades nocivas à natureza.

Uma das áreas mais impactadas pelo garimpo ilegal fica na bacia do Xingu, a Terra Indígena Kayapó. Bolsonaro defende liberar a mineração em terras indígenas e costuma dizer que “o índio não pode continuar sendo pobre em cima de terra rica”. A medida depende de aval do Congresso.

Várias das principais associações indígenas brasileiras são contrárias à atividade, temendo seus impactos sociais e ambientais. Segundo os autores do Sirad X, “o garimpo tem se destacado como o principal vetor do desmatamento” em áreas protegidas do Xingu.

Animais

Para Miguel Trefaut Rodrigues, professor de zoologia da USP e um dos maiores especialistas em répteis e anfíbios do mundo, a bacia do Xingu tem uma importância central nos estudos sobre a dispersão e diferenciação de espécies que habitam as florestas brasileiras.

Isso porque a região engloba alguns dos últimos trechos preservados onde o bioma amazônico se encontra com o Cerrado – áreas que no passado provavelmente serviram como corredores para espécies que se deslocavam entre a Mata Atlântica e a Amazônia, tornando-as ambientes megadiversos.

Trefaut diz que entender como se deu esse deslocamento é um dos maiores desafios da zoologia moderna – mas que os estudos, ainda incipientes, dependem da preservação da mata.

“Derrubar essa área vai acabar com os resquícios e evidências de contato (entre a Amazônia e a Mata Atlântica) que houve no passado”. O zoólogo diz ainda que, quando um trecho da floresta é desmatado, há um impacto irreversível para a fauna daquele ponto, pois a grande maioria das espécies não tolera as temperaturas mais altas de ambientes sem cobertura vegetal.

“A fauna vai embora: desaparecem todos os roedores, lagartos, sapos, cobras e a maior parte das aves. Um ou dois bichinhos podem tolerar ambientes abertos, mas a maior parte dos bichos amazônicos some para sempre.”

Siga-nos no InstagramTwitter | Facebook