Nome favorito de Bolsonaro para ocupar a PGR apresenta-se hoje como protofascista e parte para puxar o saco do capitão. O mesmo sujeito vivia pelos corredores do executivo e do legislativo para ser ministro do STF na época de Dilma Rousseff. Era de uma convicção marxista a enrubescer um György Lucacs
Eugênio Aragão*
O que mais ouço no público que frequento é crítica às escolhas feitas pelos governos populares de 2003-2016 para a composição do STF. “Como puderam errar tanto?” – é a pergunta constante.
E, no entanto, é muito fácil errar, quando não se lança mão dos próprios quadros, seja por medo de se ficar parecendo “aparelhar” as instituições, seja por necessidade de agradar parte da base do governo que não comunga dos mesmos valores e objetivos de seu núcleo duro.
E tem outro problema também. A falta de sinceridade de auto-lançados candidatos ao cargo, que fazem juras de eterna gratidão ao presidente, que choram lágrimas de crocodilo na sua frente ou que sugerem que processos contra sua liderança partidária não passam de pontos “fora da curva”.
Meu pai dizia com sua sertaneja sabedoria: todo estelionatário é simpático. Já viu vigarista grosso? Claro que não. Não enganaria ninguém. A conversa amena, cheia de mesuras, perninhas cruzadas, indicador de aconselhamento com olhar de fingida benquerência e biquinho de cara de inteligente são estratagemas e gestos mui encontradiços entre velhacos.
Querem a proximidade e a confiança de sua vítima, para trair quando estiver mais distraída.
A sucessão na PGR me faz muito lembrar das palavras de meu pai egipciense. Na disputa para agradar o capitão que fizeram presidente, há quem lance mão de todos os engôdos. Pergunto-me, bem a calhar, por que um deles, hoje na dianteira, quer tanto esse cargo de chefe do MPU?
Afinal, conseguiu, mesmo que só por antiguidade, chegar ao topo da carreira. Teve, ainda como membro do MPF, uma advocacia muito lucrativa que lhe propiciou um senhor patrimônio.
Foi conselheiro do conselho superior da instituição mesmo sem ter votos, graças ao conchavo entre Janot e a ala conservadora da cúpula corporativa. Falta só se aposentar para ganhar mais dinheiro e viver com qualidade em sua ensolarada terra natal.
Não. O homem é ambicioso. Precisa da cerejinha glacê para enfeitar o chapeuzinho de chantilly do seu bolo curricular. Ah, a vaidade! Para chegar lá, não tem receio do ridículo. Apresenta-se hoje como protofascista e parte para puxar o saco do capitão.
Enche a boca contra a “ideologia de gênero”; promete cargo para Ailton Benedito, o Julius Streicher do MPF; rasga elogios ao colega Eitel Santiago, ex-candidato a deputado do DEM, um “homem sério, católico conservador”…
Não acredito que inteligência seja o forte de Bolsonaro. É um esperto, um finório, mas não é pessoa de muitas luzes. E a batota em excesso mata o bilontra. Se for escolher o lindão, poderá ter seu Brindeiro ou seu Janot. Só depende dos ventos. Se favoráveis, poderá ter a cumplicidade; se contrários, a perfídia. Só não vai ter um magistrado, como exige o figurino constitucional.
Lembro-me bem das andanças desse hoje candidato a PGR pelos corredores do executivo e do legislativo para ser ministro do STF, quando era presidenta Dilma Rousseff. Era de uma convicção marxista a enrubescer um György Lucacs!
Prometeu de tudo ao meu amigo Luiz Carlos Sigmaringa, de saudosa memória, que se pôs a rir quando me contou do encontro; se apresentou aos ministros do STF que supunha mais próximos ao governo, com um discurso de “aliado”… enfim, meteu-se pelo modo mais rasteiro na gincana para a indicação. Mas não enganou ninguém.
Tentou, mais modestamente, um lugar ao sol com Rodrigo Janot, quando já encabeçava a lista para PGR, nos idos de 2013. Promoveu-lhe um jantar em sua confortável residência no Lago Sul, com toda a bancada do PT. Valeu até coluna social. Depois, ficou de mal, porque queria ser Vice-Procurador-Geral Eleitoral e a pretensão lhe foi negada. Mas não ficou no ostracismo. Foi ouvidor e depois ajeitou-se como conselheiro do conselho superior.
Segundo leio nos jornais, esse candidato a PGR tem elevadíssima chance de ser escolhido pelo capitão. Uma jogada de alto risco e de pouca lisonja para a instituição do ministério público. Se Eitel Santiago é tão bom, que serve de chaveirinho para dar ares de conservador ao colega que o elogia, talvez fosse melhor escolhê-lo no lugar do autoproclamado candidato a PGR!
E quem adivinhar o nome do cristão novo bolsonarista aqui descrito ganha um pirulito! Mas, desde logo, cabe-lhe lembrar que Albert Speer, o arquiteto predileto de Adolf Hitler, passou, depois de condenado a vinte anos de reclusão pelo Tribunal de Nuremberg, sua vida a justificar o injustificável. Fez-se de arrependido para lavar sua imagem.
Será que quer isso para si, ou, talvez, não prefere ser bem-quisto por seus colegas, de esquerda e de direita, como o bonachão, gente-boa que sempre foi? A vida é feita de escolhas.
*Eugênio Aragão é ex-ministro da Justiça.
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