Morreu o preto pobre porque teve que assim ser. Mas quando a autoridade branca vibrou com isso, sepultamos mais um pedaço do nosso humanitarismo e civilidade.
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Matou-se (mais) um preto. Dessa vez não se pode dizer que o tiro foi acidental ou bala perdida. O dito matador de elite (a humanidade concede título nobiliárquico a eles) fez alça mira direitinho no sujeito. Ou seja, o projétil tinha destinatário certo e sabido.
Mas também não se pode defender que o preto era inocente, tipo estando só indo num chá de fraldas com a família. O da-vez ameaçava incinerar ônibus e gente. Além do quê, apontava aos reféns uma arma, que ninguém se deu por conta que era tão inofensiva como um guarda-chuva ou uma furadeira. Era de brinquedo.
Numa terra em que preto tem passagem na polícia, seja por fugir da senzala, por jogar capoeira ou, na falta de motivo mais convincente, por desacato, esse não tinha antecedentes.
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Constava na sua ficha apenas que sofria de problemas mentais. E por isso estava lá interrompendo o tráfego, a programação televisiva e, depois, sua própria vida. É que o jovem de poucos mais de vinte teve um surto psicótico. Não queria bolsas e celulares, pode guardar, senhora. Também não tencionava matar ninguém, segundo garantia. Queria, também em suas palavras, apenas chamar atenção.
Negociou-se por horas. Mas ele não se rendeu.
Os comandantes julgaram por bem dar ordem de fogo contra ele.
Ainda que leigo no assunto, penso que talvez não houvesse melhor solução. Antes ele do que um inocente. Ou trinta e sete.
Mas não há motivo pra comemorar como se fosse gol da seleção. Esse foi só mais um sete a um no Brasil.
Dezenas de pessoas foram coagidas por horas e estão traumatizadas. Houve uma ameaça real, se não de tiro, pelo menos de explosão.
Um jovem doente da cabeça foi por necessidade morto pelo estado, que sabe Deus se provinha seus medicamentos.
Morreu o preto pobre porque teve que assim ser.
Mas quando a autoridade branca e gorda vibrou com isso, sepultamos mais um pedaço do nosso humanitarismo e civilidade.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha” e 1º Secretário do Simpo”
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