Ator bolsonarista Carlos Vereza tem “dor de cotovelo” por conta de Bacurau e ataca diretor. Premiado internacionalmente, filme alcançou recorde de público e bilheterias no Brasil nas últimas semanas
Gil Luiz Mendes, Revista Fórum
O sucesso do filme Bacurau, dos pernambucanos Juliano Dornelles e Kléber Mendonça Filho, é evidenciado pelo recorde de público e bilheterias no Brasil nas últimas semanas.
Além disso, o filme ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes este ano, considerado um dos maiores troféus do cinema mundial. Junto com o sucesso e fama, a película também vem gerando ciúmes em algumas pessoas do meio artístico.
O ator Carlos Vereza, notório apoiador do governo Bolsonaro, demonstrou todo o seu recalque com o filme de Dornelles e Mendonça ao fazer críticas grosseiras ao trabalho da dupla em detrimento do seu.
“Parece que o fato de não ter pedido qualquer financiamento está incomodando a rapaziada que só filma se for com patrocínio”, disse.
O alvo principal das palavras de Vereza foi Kléber Mendonça Filho. Além de reclamar da cobertura da imprensa sobre o filme “O Trampo”, onde ele atuou, dirigiu, produziu e ainda escreveu o roteiro, o ator falou que o diretor de Bacurau só conseguiu o reconhecimento em Cannes por ser casado com uma produtora de cinema francesa e ter feito a cobertura do festival durante muitos anos quando era crítico de cinema.
“Mas falando em prêmios: se eu fosse casado com uma produtora cinematográfica francesa, se eu cobrisse, como jornalista, por mais de dez anos, o Festival de Cannes, se eu participasse do mainstrean esquerdista da imprensa, talvez eu ganhasse o prêmio do júri no Festival de…Cannes”, declarou.
A seguir, leia a crítica de Donizeti Nogueira sobre o filme ‘Bacurau’ (contém SPOILER)
Era início de noite de sábado quando fui ao cinema assistir ao filme Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Gostei muito e saí impressionado. Exponho aqui minha visão sobre a sua inserção na realidade política e social que estamos vivendo. Não sendo cineasta, muito menos crítico de cinema, o que expressar aqui é decorrente da minha percepção de cinéfilo ocasional e, muitas vezes, desatento.
O dicionário me dá conta de um dos significados da palavra bacurau como sendo a denominação de um pássaro com hábitos noturnos e voos silenciosos, o que é expresso pelo diretor na tela através da comunidade de Bacurau, um pequeno e pacato povoado, apagado do mapa, que traz em si silêncios de outras épocas. Silêncio percebido pelo líder do núcleo norte-americano do filme através da sucata de uma viatura da polícia com várias perfurações de balas.
Bacurau, na sua quietude, goza do mais completo abandono do Estado. Mas, mesmo assim, consegue com criatividade articular a aridez do sertão com seu sistema de abastecimento de água, usar tecnologia do celular que garante estar conectada com o mundo e ter a comunicação de uma TV móvel, o que também permitia a execução de seu serviço de segurança.
O filme projeta uma ideia futurista de organização social, liderada e coordenada por um sentimento de comunidade coletiva, tanto que, após a morte de Dona Carmelita aos 94 anos, considerada a líder do povoado, não se percebeu nenhum movimento ou preocupação em escolher um novo líder. A liderança é exercida por todos. São futuristas também as relações de convivência e percepção de cada um no seu quadrado, com respeito às múltiplas opções de vida e preservação das diferenças.
O filme de maneira informal se desenrola em três atos. No primeiro, são apresentados dois dos três protagonistas sociais: a Casa Grande, expressada no prefeito e seu séquito, detentor do poder do Estado sobre o segundo protagonista social, a Senzala, representada pela comunidade de Bacurau. Neste ato o diretor mostra claramente que existe entre ambos uma relação de desprezo e tolerância. De um lado, o povo não vai receber o prefeito, que presenteia a Senzala com o resto dos restos da Casa Grande. De outro, o prefeito sequestra uma das cidadãs da Senzala, a prostituta, e o povo apenas assiste.
No desenvolvimento da obra, temos o segundo ato onde o diretor apresenta o terceiro protagonista social da trama: a mão visível do império (colonizador moderno), com toda a sua arrogância e desejo de superioridade. Isso fica nítido na demonstração de desprezo dos fascistas norte-americanos em relação aos brasileiros. Norte-americanos que encontram ali no sertão uma desejada cidadezinha, colocada fora do mapa por sua superioridade tecnológica, uma ilha isolada onde extravasariam as suas neuras e celebrariam a sua superioridade belicista. É também neste ato, à luz de acontecimentos estranhos, que floresce o espírito guerrilheiro e de resistência de Bacurau que, se percebendo atacada, voa silenciosamente e organiza a sua defesa.
Na conclusão do enredo, o terceiro e último ato, o diretor amarra as pontas, revelando ao telespectador o papel e o lugar de cada um dos três protagonistas sociais. O Estado se apresenta como serviçal e lambe botas do Império. Através do confronto entre o Império – apoiado pela Casa Grande – e a Senzala, Bacurau resiste ao ataque, (o povo), dominada pelo seu espirito de coletividade e resistência.
Dominando o senhor da Casa Grande, humilhando e enxotando o prefeito e promovendo a bastilha do sertão, degolando os imperialistas no silêncio sepulcral da comunidade, Bacurau sepulta a liderança imperialista ao mesmo tempo em que recupera a sua capacidade de voar livre e silenciosamente.
Para concluir, considerando que o diretor fala de uma Bacurau no futuro, ele infere ao telespectador que: o prefeito é na verdade o Presidente Bolsonaro, os snipers norte-americanos representam Trump, e Bacurau é o Brasil. O cineasta, segundo minha percepção, nos deixa claro que a submissão e alinhamento automático do governo brasileiro aos EUA estão sugando as nossas energias e que não temos outra saída senão através da ação organizada e silenciosa do povo para libertar o nosso país da onda fascista e persecutória a que estamos submetidos.