Novas mensagens vazadas mostram que Deltan Dallagnol, o procurador-chefe da Lava Jato, fazia com o ex-presidente Lula o tipo de piada que os nazistas adoravam: schadenfreude
Uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo neste domingo (8), em parceria com o The Intercept Brasil, mostra que conversas gravadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que contrariavam a hipótese de obstrução de Justiça adotada pelo então juiz Sergio Moro para divulgar os grampos, permaneceram em sigilo de Justiça.
Moro, em 16 de março de 2016, divulgou um áudio com uma conversa entre a então presidenta da República Dilma Rousseff e Lula, telefonema que serviu como base à época para decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, de suspender a nomeação de Lula como ministro-chefe da Casa Civil.
A Lava Jato adotou a narrativa de que o telefonema mostraria que a posse do ex-presidente tinha como objetivo travar as investigações sobre ele, transferindo a responsabilidade pelo seu caso de Curitiba para o STF. A interpretação foi encampada de forma acrítica pela mídia tradicional.
As conversas no Telegram entre membros da força-tarefa mostram que outros diálogos desmentiam essa tese, com Lula afirmando que sua entrada no governo se destinaria a salvar o governo em crise. São diversas anotações realizadas pela Polícia Federal, entre elas conversas em que Lula buscava uma reaproximação com Temer e o MDB, acenos recebidos pelo vice-presidente em dois telefonemas.
Ainda que os registros mostrem os policiais atentos a todas as conversas do ex-presidente, a conversa entre Dilma e Lula foi a única anexada pela PF aos autos da investigação antes que Moro determinasse o levantamento do sigilo do processo.
A força-tarefa soube uma semana antes da oficialização a respeito do convite feito por Dilma a Lula e em diversas ocasiões o ex-presidente expressou não estar certo sobre a decisão de assumir o ministério.
No dia 9 de março, o agente Rodrigo Prado ouviu Lula confirmar o convite, numa conversa com o ex-ministro Gilberto Carvalho. O áudio anexado aos autos pela PF mais tarde mostra que o ex-presidente temia que sua ida para o governo fosse associada a uma tentativa de escapar da Lava Jato.
Após a nomeação, Lula conversou com sua assessora Clara Ant e, segundo as anotações feitas pelos agentes, ele indicou que estava desconfortável com a situação após a nomeação.
“Diz que acabou de se foder. LILS diz que ficaram discutindo até meia-noite. LILS tem mais incerteza do que certeza. LILS diz que não tem como escapar ‘dela’”, resumiu o agente que estava na escuta, identificando o ex-presidente pelas iniciais de seu nome completo.
Conluio
As mensagens também evidenciam outro comportamento irregular mostrado em outras mensagens: o assunto teria sido discutido entre integrantes do Ministério Público e o juiz Sergio Moro, que pediu relatórios com transcrições dos diálogos considerados mais relevantes. Em 15 de março, na véspera da nomeação de Lula, a polícia anexou aos autos da investigação três relatórios e 44 arquivos de áudio.
Membros da força-tarefa se preocupavam com a decisão de Moro de levantar o sigilo e divulgar os áudios. “Estou preocupado com moro! Com a fundamentação da decisão”, afirmou o procurador Orlando Martello no Telegram. “Vai sobrar representação para ele.” “Vai sim”, respondeu o procurador Carlos Fernando de Souza. “E contra nós. Sabíamos disso.” Já Laura Tessler acreditava em um efeito extra-jurídico, o apoio da opinião pública: “a população está do nosso lado…qualquer tentativa de intimidação irá se voltar contra eles”. Carlos Fernando recomendou: “Coragem… Rsrsrs”.
Depois de compartilhar com o grupo vídeos de uma manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, Martello propôs que todos os integrantes da operação renunciassem aos cargos se algo acontecesse com Moro e Laura sugeriu que a melhor resposta nesse caso seria mover uma ação contra Lula e pedir sua prisão.
Andrey Borges de Mendonça achava difícil defender a divulgação da conversa de Dilma por causa do horário em que foi realizada, mas a maioria discordou. “O moro recebeu relatório complementar e o incorporou”, disse Carlos Fernando. “Nesta altura, filigranas não vão convencer ninguém.”
Deltan entrou tarde na discussão e se alinhou com Carlos Fernando. “Andrey No mundo jurídico concordo com Vc, é relevante”, disse. “Mas a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é político.” Mendonça disse concordar com Dallagnol, mas advertiu. “Isso tera q ser enfrentado muito em breve no mundo juridico”, escreveu. “O estrago porem esta feito. E mto bem feito”. Era tarde, e os outros integrantes do grupo não se manifestaram mais sobre o assunto.
Cinco dias depois, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, suspendeu as decisões de Moro, afirmando que o sigilo havia sido levantado “sem nenhuma das cautelas exigidas em lei”. Mas isso não invalidou a decisão do ministro Gilmar Mendes anulando a posse de Lula.
“9”
Além da gravidade do conteúdo divulgado, mais um traço do caráter de Deltan Dallagnol foi revelado no vazamento mais recente da Lava Jato. O procurador-chefe da Força-Tarefa chamava Lula de “9”, fazendo piada com um dedo perdido do ex-presidente durante o trabalho, em seus tempos de metalúrgico.⠀
“Dallagnol não tirou esse escárnio da Bíblia que diz seguir como cidadão de bem e temente a Deus. Não há nenhum versículo [na Bíblia] mandando tripudiar sobre o defeito físico de ninguém. Por outro lado, esse “humor” era bastante comum entre os nazistas e suas vítimas”, observa Kiko Nogueira, jornalista do DCM.
“A entrada dos campos de concentração continham a inscrição ‘Arbeit macht frei’ — ‘o trabalho liberta’, em alemão. Judeus com habilidades em metalurgia eram incumbidos de instalar a placa com uma mensagem evidentemente maldosa e falsa. Esse tipo de piada se chama ‘schadenfreude’, expressão da língua alemã que designa a alegria ou o prazer diante do infortúnio alheio. Isso não é, como gosta Dalalgnol, uma filigrana. Isso é um jeito de encarar o mundo”, acrescenta Nogueira.
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