Pressionado por evangélicos, Bolsonaro não vai para canonização de Irmã Dulce
Pressionado por evangélicos, Jair Bolsonaro cancela viagem para a cerimônia de canonização de Irmã Dulce, que será celebrada pelo Papa Francisco. A decisão de não viajar também teve interferência de Michelle Bolsonaro. Biógrafo da beata comentou recuo do presidente
Enquanto uma comitiva de políticos começa a desembarcar no Vaticano para a canonização da beata baiana Irmã Dulce (1914-1992), o presidente Jair Bolsonaro, que se considera católico mas levanta a bandeira evangélica na política, anunciou que não irá comparecer à cerimônia de santificação. Em seu lugar irá o vice-presidente Hamilton Mourão.
Em julho, o porta-voz da Presidência da República Otávio Rêgo Barros havia confirmado o comparecimento de Bolsonaro na canonização que será conduzida pelo Papa Francisco no próximo domingo (13), alegando que a presença reforçaria o compromisso do presidente “na importância de o Brasil ser um Estado laico”.
Na última quarta-feira (9), entretanto, a presidência informou que devido a compromissos de agenda, Bolsonaro não irá nem ao Vaticano nem a Salvador, em outra comemoração marcada para dia 20 – alguns consideram a decisão uma forma de agradar sua base evangélica e a primeira-dama.
O colunista Ricardo Noblat, da revista Veja, informou que a decisão de não viajar foi influenciada principalmente pela opinião da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A esposa do presidente, que é evangélica, não concorda com a viagem por razões religiosas.
Além disso, Bolsonaro é apoiado pelas maiores agremiações evangélicas do Brasil, comandadas por figuras como Silas Malafaia e Edir Macedo — este último também proprietário da TV Record.
No entanto, para agradar os católicos há previsão de que na tarde de sábado (12) o presidente compareça à festa da Padroeira de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida, SP.
“Em razão até de uma impossibilidade de que ele participe da cerimônia para a Santa Irmã Dulce em Salvador no dia 20, o presidente entendeu a importância de se fazer presente em eventos de fé católica”, disse o porta-voz da presidência.
Irmã Dulce
Nascida em 1914 em Salvador, irmã Dulce foi uma freira que dedicou sua vida aos desfavorecidos, ficando mais tarde conhecida como beata dos pobres. A ela, primeira santa nascida no Brasil, são atribuídos milagres como a cura de hemorragias e cegueira, sendo considerada um ícone católico na Bahia.
Para o jornalista Graciliano Rocha, autor da biografia “Irmã Dulce, a Santa dos pobres”, o não comparecimento de Bolsonaro pode ser recebido como um desprestígio por parte da comunidade católica.
“O presidente ir ou não é uma decisão pessoal, mas como o Brasil é o maior país católico do mundo, é muito provável que uma parcela da população se sinta desprestigiada. Isso também desconsidera o Vaticano em termos de política internacional, que embora seja um microestado, tem sua relevância como referência para o catolicismo global”, diz.
A canonização ocorre na mesma semana do sínodo da Amazônia, onde o Papa Francisco ressaltou que ideologias podem ser uma arma perigosa.
“Irmã Dulce está sendo canonizada junto ao sínodo da Amazônia, o que demonstra uma preocupação da igreja com as populações locais e com o bioma. Esse é um ponto que tem suscitado muitas críticas a Bolsonaro no âmbito internacional, o que pode justificar, em parte, a ausência do presidente”, finaliza Graciliano.
A Câmara dos Deputados incluiu recentemente o nome de Irmã Dulce no Livro de Heróis da Pátria. O livro está depositado no Panteão da Pátria, em Brasília, e conta com os nomes de Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Santos Dumont e Anna Nery, entre outros personagens históricos.
Milagres
O primeiro milagre atribuído à Irmã Dulce foi a sobrevivência de uma parturiente desenganada pelos médicos, após religiosos e fieis orarem para que a religiosa baiana intercedesse pela vida da paciente.
Segundo os registros usados no processo de beatificação, a mulher foi identificada como a sergipana Cláudia Cristiane dos Santos, que deu à luz ao segundo filho em 11 de janeiro de 2001.
O parto ocorreu no Hospital Maternidade São José, em Itabaiana (SE). O local era dirigido por freiras da mesma congregação de Irmã Dulce e não tinha UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
Logo após o parto, dizem dois relatórios de médicos que participaram do procedimento, Cláudia apresentou um quadro gravíssimo de hemorragia. Nos relatórios, os médicos afirmam que as possibilidades de tratamento se esgotaram ao longo das 28 horas em que a paciente foi submetida a três cirurgias. Cláudia, contudo, sobreviveu.
Pela versão apresentada e que sustentou a beatificação pelo Vaticano, a mudança no quadro ocorreu porque o padre José Almi de Menezes rogou a Irmã Dulce, de quem era devoto, o salvamento da paciente.
Ele pediu que uma imagem da religiosa fosse levada à maternidade. Durante as orações, a hemorragia parou —o que, na associação feita pelos religiosos, se constituiu como o milagre reconhecido pelo Vaticano.
No processo de investigação, o caso foi analisado por dez médicos brasileiros e seis italianos, e nenhum deles encontrou uma explicação científica para a sobrevivência e a recuperação tão rápida da paciente sergipana.
O segundo milagre reconhecido pelo Vaticano e que levou à canonização pelo papa Francisco é a cura instantânea da cegueira de um homem de cerca de 50 anos.
O paciente, que não teve o nome divulgado, conviveu com a cegueira durante 14 anos e voltou a enxergar de forma permanente desde 2014.
A cura teria acontecido em um dia em que este paciente estava com uma conjuntivite e com dores agudas nos olhos e clamou por Irmã Dulce por uma solução. No dia seguinte, ele teria voltado a enxergar.
“Não tinha explicação. Era um paciente que estava cego e que de um dia para o outro volta a enxergar, sem explicação”, afirma Sandro Barral, médico das Obras Sociais Irmã Dulce e que foi perito inicial da causa.
O paciente —que antes de ficar cego trabalhava na área de informática— caminhava com a ajuda de uma guia e tinha acabado de receber um cão-guia que havia sido treinado exclusivamente para acompanhá-lo no dia a dia.
Antes de ser encaminhado para Roma, o caso foi analisado por oftalmologistas de Salvador e de São Paulo, que examinaram pessoalmente o paciente e não encontraram explicação para a cura.
“Tem uma coisa que é ainda mais espetacular: os exames dele são de um paciente cego. Porque tem lesões pelas quais o paciente não deve enxergar. E ele enxerga”, afirmou Sandro Barral.
O milagre foi avaliado por uma comissão de médicos em Roma, que também não encontrou explicação científica para o acontecimento. Na sequência, o caso foi analisado por uma comissão de teólogos e depois por uma comissão de cardeais.
com informações de Exame