O drama curdo tem um nome
As ações e manobras do Presidente Turco implicam impactos humanitários que entrarão para a história. Embora dentro da análise política tradicional um ato não pode ser precipitadamente definido como “bom” ou “ruim”, os seus efeitos podem ser julgados no espaço público, principalmente por aqueles que sofrem diretamente dos mesmos.
Lucien de Campos*, Pragmatismo Político
Na esfera da política internacional, nomear eventos, fenômenos, situações, calamidades ou problemáticas implica consequências das quais envolvem alguns riscos, abrindo espaço para debates quase intermináveis. Nomear dramas de um povo, ou então seguir a “cultura de encontrar culpados”, pode ser um preço a ser pago. No entanto, sujeitar-se a imparcialidade diante de calamidades humanitárias também é um preço que, na minha opinião, paga-se mais caro.
Dentro de um debate sobre os principais desafios geopolíticos (e humanitários, mais precisamente), encontro-me, então, na obrigação de me posicionar. Arrisco-me a pagar o preço em dizer que o histórico drama curdo hoje tem um nome, tem um culpado. E fugindo de uma sofisticada e acadêmica análise política, permitam-me nomear tal culpado, em letras garrafais, para estampar seu nome na vitrine da barbárie humanitária.
As ações e manobras do Presidente Turco implicam impactos humanitários que entrarão para a história. Embora dentro da análise política tradicional um ato não pode ser precipitadamente definido como “bom” ou “ruim”, os seus efeitos podem ser julgados no espaço público, principalmente por aqueles que sofrem diretamente dos mesmos.
É por esta razão que eu escrevo este texto, correndo os riscos de nomear um culpado, e, fugindo assim da normalidade, da imparcialidade e da tradicional razão acadêmica. Não apenas como um analista político, mas como um amigo daqueles que sofrem de tal barbárie.
Neste poucos anos que moro fora do Brasil, a vida felizmente me proporcionou muitas amizades. Amizades estas que compartilham comigo a dor da opressão, da violência e da impunidade. É em favor dos meus amigos curdos (e do povo curdo) que escrevo este texto. Que me encontro na obrigação de expressar meus sentimentos.
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Também arrisco-me a afirmar – e trazendo uma perspectiva Nietzschiana ao campo geopolítico – que a política em sua essência envolve o elemento da exclusão. Exclusão que está diretamente voltada à violência e que apenas reflete e impõe o clássico padrão de poder seletivo e exclusivo nas relações internacionais, onde algumas calamidades recebem mais atenção do que outras.
O drama curdo, por exemplo, é historicamente negligenciado pelas potências mundiais e mídias convencionais. Os mesmos que nomearam Muammar al-Gaddafi e Bashar al-Assad como sanguinários do século, hoje fecham os olhos perante as atrocidades cometidas por Recep Tayyip Erdogan. O resultado disto tudo: os curdos se juntam ao grupo de marginalizados dentro deste universo abstrato chamado relações internacionais.
Erdogan é tão sanguinário quanto Gaddafi e Assad. Suas ações forçam o “andar da carruagem” à direção do flagelo, que um dia a história há de cobrar seu preço.
*Lucien de Campos é doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa.