Em tom desafiador, Eduardo Bolsonaro insinua que se o povo brasileiro ousar ocupar as ruas, como no Chile, a ditadura vai voltar
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o candidato a intelectual da família e ex-quase embaixador, discursou na Câmara nesta terça. Ameaçou as esquerdas com repressão policial e, tudo indica, com um golpe! Acusou-as de querer “repetir no Brasil o que está acontecendo no Chile”.
Não fosse a estupidez intrínseca do discurso, há uma questão factual que acena com a possibilidade de o parlamentar precisar de ajuda clínica: não há o menor sinal de que as esquerdas brasileiras estejam planejando um protesto à moda chilena. Até porque seria preciso combinar com o povo.
Para o deputado, “o Chile é a referência da América Latina com relação à economia. A maior renda per capita da América Latina, a referência em Previdência”.
É verdade. Sobretudo em Previdência. Setenta por cento dos aposentados ganham menos do que um salário mínimo. É a referência de Eduardo. Tudo indica que ele pretende acenar com esse horizonte para os aposentados brasileiros.
É o rapaz que fez questão de anunciar que votaria contra a reforma proposta pelo governo Temer porque, segundo ele, nem deficitário o sistema era.
Sugiro que o deputado vá ao Chile e tente convencer a população daquele país de que está sendo injusta com um sistema que ele, Eduardo, acha exemplar.
E o deputado ameaçou: “Não vamos deixar isso aí vir para cá. Se vier para cá, vai ter que se ver com a polícia. E, se eles começarem a radicalizar do lado de lá, a gente vai ver a história se repetir. Aí é que eu quero ver como a banda vai tocar”.
Hein? Protestos violentos, que desrespeitem as regras da civilidade democrática, já são reprimidos pelas polícias nos Estados sem que se faça necessária a intervenção de um Bolsonaro. Houve, por exemplo, confrontos violentos em 2013 em vários Estados.
Mais: não faltou repressão policial no Chile, não é? O pau comeu. Já são vinte os mortos. Nem por isso a população se intimidou. O presidente Sebastián Piñera teve de recuar de seu discurso beligerante e de admitir erros do governo e, mais amplamente, do, como posso dizer?, “sistema chileno”.
“A gente vai ver a história se repetir”? Que história, rapaz? A história brasileira — e, nesse caso, o deputado estaria ameaçando o país com um golpe — ou a história recente no próprio Chile, com seus 20 mortos? Em padrões brasileiros, seria como uma jornada de protestos deixar 233 vítimas fatais.
Sugiro a Eduardo que pegue seu cabo e seu jipe e vá pregar em outra freguesia. A chance de um golpe prosperar no Brasil é inferior a zero. E, acontecesse a tragédia de mais de 200 mortos em protestos contra isso ou aquilo, os Bolsonaros é que veriam a banda tocar. Seriam chutados do governo.
O discurso não passa de uma provocação tola, rasteira, primitiva. De resto, Eduardo e sua turma subestimam as esquerdas brasileiras, não é mesmo?
Por que elas iriam às ruas agora? Para dar ao mandatário o privilégio do discurso da “lei e da ordem”, ainda que promova permanentemente a desordem? É muito mais eficaz, divertido e produtivo assistir à canibalização do bolsonarismo.
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