Capitalismo

A maior startup do capitalismo é a desigualdade

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Enquanto o capital estimula o empreendedorismo, a produção de pobreza só aumenta.

(Imagem: Marcelo Camargo | ABr)

Anderson Pires*

Os últimos dados divulgados pelo IBGE explicitaram o quanto aumentou a desigualdade no Brasil a partir de 2015. A série que avalia o índice Gini desde 2012, mostrou que em 2018 atingiu-se o pior resultado já registrado. Enquanto os 30% mais pobres no Brasil tiveram sua renda diminuída, o 1% mais rico teve um aumento de 8,4% na renda média.

Aqueles que acreditam que o maior dos males do Brasil é a corrupção, buscarão justificativas nos moldes da Lava Jato, para justificar a quebradeira que foi promovida no país e, consequentemente, atribuir a desigualdade a esse fenômeno.

Mas, quem consegue ver para além do ódio de classe, poderá perceber que se estamos em uma crise econômica, seja por qual motivo for, existe uma parcela muito pequena da população, formada pelos mais ricos, que ganhou mais dinheiro nesse período e que, contraditoriamente, parece estar imune a qualquer crise.

Evidente que a partir de 2015 o país foi tomado por essa parcela ínfima e, sendo assim, o processo de redução da desigualdade no Brasil foi debelado a partir de mudanças nas políticas públicas e por uma condução econômica de viés liberal, que promoveu a retirada de programas importantes, que geravam distribuição de renda, geração de emprego e valorização da produção. O rentismo voltou a ditar os rumos da economia e, como num passe de mágica, um país em recessão teve seus três principais bancos privados com recorde histórico nos lucros. Se a corrupção produz mazelas, não resta dúvidas que ainda mais nocivo é um estado que intensifica a proteção do capital e conduz suas políticas para que os mais ricos ganhem cada vez mais.

Contudo, o problema da desigualdade no Brasil e no mundo não é só um reflexo das políticas adotadas pelos estados. O capitalismo com sua capacidade criativa absurda está formando uma verdadeira legião de agentes da desigualdade. E o faz com tal o requinte, que consegue convencer muitas pessoas a pensar que, de alguma forma, estão trabalhando para promover algo de melhor para o mundo.

Essa afirmação parece estranha, mas observem que atingimos o maior nível de desigualdade no planeta e nunca se ouviu o uso de tantos termos que apontam pra uma situação diferente como a atual. No novo mundo do empreendedorismo, onde startups proliferam, o vocabulário está permeado de termos como colaborativo, desruptivo, ecossistema, coworking, descolados, participativos, antenados e até a figura do anjo-da-guarda dos negócios passou a ser um ente obrigatório nesse cenário.

Diante de tanta suposta boa vontade em dividir, o capitalismo criou um cenário que mascara o grau de dominação e exploração que promove. Estimula o empreendedorismo, fazendo milhões de pessoas pelo mundo acreditarem que todas as soluções para suas vidas estão na capacidade individual. Omitem fracassos e exaltam ao máximo sucessos pontuais, que servem de justificativa para que esse modelo seja reproduzido massivamente. O modelo é cruel. Se antes o capitalismo tinha que investir em talentos, hoje ele os estimula a fazer isso a custo zero, só esperando a hora que alguém tenha alguma ideia rentável, para que possa ser comprada e reproduzida sem nenhum custo de experimentação.

Focam suas atividades na ação especulativa. Com isso, já temos um dado assustador: toda a renda gerada pelo trabalho no mundo, ou seja, a soma dos esforços de todos os trabalhadores, é menor do que a gerada pela especulação financeira. Notem quão desumano é esse modelo. Não investem na capacidade produtiva, estimulam o individualismo empreendedor, rentabilizam especulando no mercado e detêm o controle do Estado que lhes protege enquanto a desigualdade só aumenta.

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É triste, mas o mundo está gerando uma verdadeira dinastia de promoção da desigualdade. Cada vez mais se valoriza as individualidades e, com isso, políticas públicas de cunho coletivo são atacadas e rotuladas como fruto de viés político-ideológico, quando deveriam ser entendidas como uma premissa para se ter um mundo mais humanizado e menos desigual.

Até questões de ordem ambiental, como as que estão tão em voga, a exemplo da Amazônia, do aquecimento global e do derramamento de óleo na costa do Nordeste Brasileiro, quando são debatidas passam à margem da discussão sobre a redução da desigualdade no planeta. Quando vemos uma menina de 16 anos virar ícone na ONU na defesa de temas ambientais, temos em seu discurso uma série de lacunas, que mostram a forma midiática que a questão é tratada, sem que se enfrente os reais motivos do desequilíbrio no meio-ambiente e que em paralelo a isso bilhões de pessoas vivem em extrema pobreza.

Em meio a tanta tecnologia, a capacidade criativa parece ter sido reduzida. Se vemos inovações quase que diárias, não temos nada que deixe conceitos que poderão ser realmente compartilhados. Nas artes, na ciência, na política e em quase todas as áreas não conseguimos destacar verdadeiras descobertas que representem a quebra de paradigmas, ou a elaboração de teses que possam produzir algo durador para a humanidade. Enquanto apps e novos modelos de celulares norteiam as novas mentes, o capitalismo tira tudo que pode na forma de inovação e rentismo. O pensar para além do capital é ofuscado, quase como se fosse algo proibido num mundo formado por eus.

Prolifera a hipocrisia. A mediocridade toma conta. O mundo vê passar bilhões de gigabytes de informações, que escondem gente morrendo de fome. Todo esse tráfego de dados não promove saber, mas sim desigualdade. Diante de um cenário tão assustador, mesmo que não visto no Youtube ou nas mídias sociais na proporção devida, o mundo precisa melhorar urgentemente, ou teremos algo parecido com filmes de ficção, onde essa parcela gigantesca de pobreza terá que ser jogada para debaixo da terra. Afinal, só cabe nesse mundo colaborativo a prosperidade, o resto não precisa ser visto. Quero saber quando vão criar o capitalismo desruptivo, onde especulação gere distribuição de renda e empreendedorismo seja acabar com a pobreza coletiva e não só eventualmente de um ou outro indivíduo.

*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.

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