A implosão do casamento entre Jair Bolsonaro e o PSL, acendeu a memória de quem acompanhou a derrocada de Fernando Collor de Mello no início dos anos 1990. Os paralelos são insinuantes
por Matheus Pichonelli, via Yahoo! News
A implosão do casamento entre Jair Bolsonaro e o PSL, partido pelo qual foi eleito em 2018, acendeu a memória de quem acompanhou a derrocada de Fernando Collor de Mello no início dos anos 1990.
O PSL de hoje é o PRN de ontem? O que o caso Collor ensina a Jair Bolsonaro?
Os paralelos são insinuantes. Ambos eram considerados franco-atiradores em uma eleição pulverizada por candidaturas de partidos tradicionais. Ambos alcançaram a vitória no segundo turno contra um candidato petista.
Como o capitão, que até pouco tempo vestia a camisa do Partido Progressista, de Paulo Maluf, o então governador de Alagoas também viabilizou sua campanha ao Planalto trocando uma legenda tradicional por um casamento de interesses. Migrou do PMDB para o nanico PRN, o Partido da Reconstrução Nacional.
Como o próprio nome sugere, a legenda prometia implodir e reconstruir “tudo isso que estava aí”. Definia-se como um partido liberal democrático e defendia a redução da interferência do Estado na economia. Paulo Guedes não faria melhor.
Na esteira de eleição de Collor, em 1990 o partido engordou suas fileiras e formou uma bancada de 40 deputados federais e cinco senadores.
Em 2018, o efeito-Bolsonaro ajudou o PSL a eleger 52 deputados (hoje são 53).
No início dos anos 1990, porém, era notória a hegemonia dos chamados grandes partidos. Só o PMDB, por exemplo, tinha 108 deputados. O PFL, hoje DEM, possuía 83, e o PDT, 46.
Hoje apenas PT e PSL tem mais de 50 representantes na Câmara, e o velho PMDB, hoje MDB, compõe um bloco parlamentar de 83 deputados com o PP e o PTB.
Dezenove partidos possuíam representantes em 1990; hoje são 25, 16 deles com mais de dez deputados (antes eram apenas dez).
Negociar com cada um é tarefa hercúlea para qualquer presidente de perfil conciliador, e o atual é adepto dos incendiários.
Na versão oficial, Collor caiu porque não soube formar uma base de apoio consistente.
Bolsonaro não só não soube como não quer. Prefere negociar com as bancadas temáticas do Congresso em votações específicas, como a reforma da Previdência. Assim, anunciou o fim da era do “toma-lá-dá-cá” na política, em referência às negociações de cargos e verbas em troca de apoio a projetos.
Oficialmente, apenas o PSL é parte oficial da base de apoio bolsonarista. Em breve, nem isso.
Quando as rusgas com a legenda se tornaram públicas, 20 deputados manifestaram apoio ao presidente. E os demais? Seguirão na legenda?
Ao longo de seu governo, Collor buscou apoio de partidos conservadores, como o PFL, o PDS e o PTB. Montou, assim, um ministério composto por representantes de diversos partidos, o que gerou protestos na bancada federal do PRN (a legenda tinha apenas uma pasta, a da Saúde).
O mesmo aconteceu com Bolsonaro ao montar um gabinete que, nas palavras dos apoiadores iniciais, beneficiou o DEM em postos-chave, como a Casa Civil – embora as nomeações não tenham sido negociadas com os líderes das legendas.
Diferentemente do PSL, que rachou em poucos meses, o PRN levou mais de dois anos para se esfarelar e voltar ao formato nanico. A legenda foi esvaziada à medida que aumentavam as denúncias de corrupção contra Collor e, já em 1992, em meio ao processo de impeachment, o partido fez mera figuração nas eleições municipais.
Em pouco tempo, a maioria de seus integrantes abandonou a sigla para evitar a associação com o presidente. Um deles foi o vice-presidente Itamar Franco, que se desligou do partido dizendo estar “em descompasso com as posições partilhadas pelo PRN”.
Em alguns estados os diretórios foram extintos.
Uma curiosidade é que, nos primeiros meses de governo Collor, quem assumiu a ponta de lança da tropa de choque do presidente era um jovem deputado, conterrâneo de Alagoas, chamado Renan Calheiros, que assumiu o posto de líder do PRN na Câmara e a tarefa de articular a aprovação dos projetos do governo, entre eles o Plano Collor.
Ambos se afastaram quando Collor optou pela neutralidade na disputa pelo governo de Alagoas em 1990. Calheiros, que nos anos seguintes seria apoiador de primeira hora dos governos FHC, Lula e Dilma, perdeu a eleição e rompeu publicamente com Collor naquele mesmo ano.
Isolado, Collor virou história.
Sobrevivente do tsunami que quase varreu o MDB do cenário, Renan Calheiros tem enviado diversas piscadelas a Bolsonaro enquanto o presidente vê sua relação com o partido ir pro vinagre, o que tende a encarecer as próximas negociações com o chamado centrão – até aqui, o maior beneficiado do racha do PSL.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o senador alagoano elogiou a escolha do novo procurador-geral da República e disse ver nesta decisão um traço de um presidente com quem é possível dialogar.
No Brasil, a exemplo do que ensinam certos preceitos, a história se repete, como tragédia, como comédia, como pastiche e outras derivações. Em todas elas está a mão solidária, até segunda ordem, de Renan Calheiros.
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