No Supremo Tribunal Federal, Gregorio Duvivier não se intimida e fala verdades indigestas sobre o atual governo federal. Humorista e escritor fez apelo e deixou ministros atônitos
Em audiência pública nesta segunda-feira (4), O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 614, da Rede, que vê uma tentativa de esvaziamento — e de censura — no decreto do governo Bolsonaro que alterou a estrutura do Conselho Superior do Cinema.
O Decreto 9.919, de 18 de julho, transferiu o Conselho do Ministério da Cidadania para a Secretaria da Casa Civil e reduziu o número de membros do colegiado. “Há uma Constituição democrática em vigor, e é responsabilidade de todos impedir que a liberdade seja de novo restringida, cerceada ou cassada”, disse a ministra Cármen Lúcia, que é a relatora da ação. “A cultura é a expressão da cultura de cada povo.”
Durante a audiência, vários artistas se manifestaram com críticas ao governo. O ator Caio Blat, por exemplo, “encenou” trecho de ‘Grande Sertão: Veredas’ em que o personagem Riobaldo fala de seu amor por Diadorim. “Guimarães Rosa seria censurado por este governo se dependesse de edital para publicar sua obra-prima”, declarou Blat, para quem o cinema é principal meio por onde os jovens podem conhecer a sua própria história.
“A gente está vivendo uma espécie de morte por asfixiamento”, disse a cineasta Marina Person. “A Ancine (Agência Nacional de Cinema) está paralisada, de mãos atadas”. Ela observou que há 9 mil produtoras pelo país que dependem do funcionamento da Ancine e defendeu políticas públicas de incentivo à cultura e à produção audiovisual.
Para o ator e diretor Caco Ciocler, a classe artística está sofrendo “acuamentos” públicos e privados. “A gente só veio para cá porque em algum lugar a gente está sentido a censura na pele. É uma questão prática, não é uma questão de discurso”, declarou.
Morreu “por uma piadinha”
Em discurso memorável, Gregório Duvivier contou sobre São Lourenço, padroeiro dos humoristas, condenado à morte por causa de “uma piadinha”, que, sendo queimado em uma grelha, ainda teria feito um último pedido, para mudar de lado, para ser assado por igual.
Duvivier comparou os censores a um “sujeito pudico que passa o dia à procura de sacanagem”. E ironizou a gestão Bolsonaro: “Este governo é uma espécie de manancial, é um pré-sal da estupidez”.
“Toda arte que se preza na história foi considerada nefasta”, disse ainda Duvivier. Ao citar texto que remete às missões do STF, destacou o trecho que fala sobre “repelir condutas governamentais abusivas”. E afirmou esperar “que a gente não tenha o mesmo fim de São Lourenço”.
Assista:
Último a falar na primeira parte da audiência, que prossegue nesta terça-feira (5), o cantor e compositor Caetano Veloso lembrou de quando foi preso, duas semanas após a edição do AI-5, em dezembro de 1968, e permaneceu dois meses na cadeia e, em seguida, dois anos e meio no exílio.
Na volta, às vésperas de um show em Salvador, foi convocado pela censura, e o responsável queria saber se a palavra “reggae” tinha conteúdo obsceno ou subversivo. Caetano tentou explicar que era um termo recente, para designar um ritmo musical, mas aparentemente não convenceu seu interlocutor, que manteve a desconfiança.
“Essas coisas têm a ver com o aspecto ridículo da figura do censor”, afirmou, lembrando de outro episódio, relativo à música Negros do Tempos, que contém versos como “grandes olhos de vaca triste”. Foi chamado novamente pela censura, que implicou com o uso do termo “vaca”, que poderia depreciar a mulher.
“São coisas meramente ridículas, mas de amargura para a nossa vida”, disse o compositor. “Essa potência não pode ser castrada”, acrescentou, referindo-se a poetas, escritores, roteiristas, desenhistas, criadores em geral.
Pelo governo, o secretário do Audiovisual da Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania, Ricardo Fadel Rihan, disse que o governo “busca restituir a governança”. E negou cerceamento da liberdade de expressão.
Veja os discursos de Caio Blat e Caetano Veloso:
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