Vitor Ahagon
Colunista
Política 18/Dez/2019 às 16:25 COMENTÁRIOS
Política

Aliança pelo Brasil e o Antifascismo

Vitor Ahagon Vitor Ahagon
Publicado em 18 Dez, 2019 às 16h25

Vitor Ahagon*, Pragmatismo Político

No dia 21 de novembro de 2019, foi fundado em Brasília um novo partido, o Aliança pelo Brasil (APB). A criação deste partido teve à frente o “clã” Bolsonaro, marcando uma nova etapa do Bolsonarismo. As origens desta ideologia começou há algum tempo, na qual podemos remontar os primeiros mandados de Jair Bolsonaro como vereador do Rio de Janeiro e depois como Deputado Federal. Concorrendo as eleições, cresceu de maneira exponencial e com a eleição de Bozo à presidência e, agora, com a fundação do APB, o Bolsonarismo finalmente se institucionaliza.

O programa do APB é composto por sete páginas, utiliza palavras simples e diretas, parte de uma perspectiva histórica revisionista rasa que envergonharia até mesmo o mais conservador dos historiadores, e é dividido em apenas cinco pontos: 1. Respeito a Deus e a Religião; 2. Respeito à memória, à identidade e à cultura do povo brasileiro; 3. Defesa da vida, da legítima defesa, da família e da infância; 4. Garantia da ordem, da representação política e da segurança; 5. Defesa do livre mercado, da propriedade privada e do trabalho. Ou seja, o programa do APB é expressão da superficialidade e tosquice do “clã” Bolsonaro e do próprio Bolsonarismo.

Mas se levarmos o programa do partido a sério – como penso que devemos fazer –, podemos entender qual é o lugar da simplicidade e tosquice do projeto Bolsonarista. Num sentido estético, o texto do programa, com apenas sete páginas, torna-se mais acessível a um público que não têm o tempo de ler grandes textos e como é escrito de maneira simples expondo suas ideias de forma direta, não requer tanta atenção do leitor, sendo facilmente assimilável. Podemos ler o programa de cabo a rabo durante o trajeto ao trabalho no ônibus ou metrô e ainda sobra um tempo para entrarmos no instagram, facebook ou twitter e, quem sabe, até compartilhá-lo nestas redes.

Outro elemento que faz do programa ser facilmente assimilável ao grande público é a maneira como analisa a realidade política, econômica e cultural brasileira. Dividindo a população entre “os bons e os maus”, o Bolsonarismo utiliza-se do maniqueísmo que habitualmente estamos acostumados a interpretar pessoas, situações, ações e a própria realidade. Alçando-se, obviamente, na posição dos “bons”, os Bolsonaristas relegam a todas as pessoas que não partilham de sua perspectiva à condição de “maus”, e como negamos a possibilidade da existência do mal em nós mesmos, somos envolvidos de forma quase que espontânea à sua narrativa.

Mas se queremos nos opor ao Bolsonarismo, não podemos nos filiar à maneira como analisa as relações interpessoais, políticas, econômicas, sociais e culturais. Portanto, devemos nos abster do maniqueísmo e buscar outras ferramentas que possam nos ajudar a analisá-lo para combatê-lo. Felizmente, a história dos movimentos de resistência ao fascismo nos relegaram lições que podemos nos ater.

Uma dessas lições seria a de interpretar os movimentos de extrema-direita através de uma análise dialética e/ou antinômica. Portanto, o bem e o mal do maniqueísmo dá espaço às contradições dos processos históricos, projetos políticos e de todas as relações sociais. Neste sentido, o conjunto dos elementos apresentados como “bons” pelo Bolsonarismo, são na realidade um projeto de poder que tenta se impor à toda a sociedade e que produz o seu contrário. Tais elementos, têm suas raízes nas práticas e na cultura conservadora brasileira e suas oposições são expressas nas lutas sociais que foram encampadas pelos movimentos de resistência.

Então, quando o APB nos fala que a relação entre Nação e Cristo é intrínseca, fundamental e inseparável, mobiliza um sentimento fundamentalista religioso e nacionalista que nos atravessa profundamente, negando a importância das religiões de matriz afrodescendentes para a constituição cultural da sociedade brasileira. Quando se compromete à restauração da língua portuguesa como pilar de sustentação da nação, rechaça todos os povos indígenas e outros que buscam resgatar suas línguas tradicionais e que constituem suas identidades culturais. Quando apresenta a questão do aborto como uma traição social somado ao combate à erotização da infância e a ideologia de gênero, demoniza o movimento feminista e LGBTQI+ que lutam por pautas que visam combater o patriarcado e a heteronormatividade a mais de um século. Quando defende o direito de possuir e portar armas para a sua defesa e de seus bens, incita o belicismo próprio a uma cultura militarizada. E, finalmente, quando diz garantir segurança jurídica ao empreendedor, gerador de empregos, declara guerra à classe trabalhadora.

Afortunadamente, quando observamos a história das lutas sociais no Brasil, não vemos a imagem criada pelo APB de um povo lúdico, paciente e cordial, muito pelo contrário. No que se refere ao fundamentalismo religioso, desde o período do Império houve no Brasil um movimento de resistência anticlerical que questionou a relação promíscua entre política e religião. Tal movimento ganhou radicalidade ao longo de sua existência, na qual podemos observar suas estratégias de luta e organização melhor definidas no jornal A Lanterna, dirigido pelos anarquistas Benjamin Mota de 1901 a 1904 e por Edgard Leuenroth de 1904 a 1935, com alguns intervalos de publicação.

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No que diz respeito ao nacionalismo e a defesa da propriedade privada, os movimentos e partidos socialistas, comunistas e anarquistas pregam a solidariedade internacional da classe trabalhadora frente à exploração e opressão internacional do capitalismo. Inclusive, foi justamente na Associação Internacional dos Trabalhadores que estas ideologias foram desenvolvidas a partir da reflexão de que a emancipação da classe trabalhadora só seria possível mediante a internacionalização da luta ou guerra de classes tendo em vista o horizonte da Revolução Social mundial. As correntes do socialismo nacionalista, estão em contradição direta à história do movimento socialista internacional revolucionário, o que produz contradições que só fazem perpetuar o conservadorismo e reacionarismo, como é o caso do stalinismo.

Contra o belicismo de uma cultura militarizada proposta pelo APB, a história das lutas sociais no mundo nos dão lições importantes, pois foi através da luta antimilitarista que a classe trabalhadora se organizou internacionalmente contra a primeira e a segunda guerras mundiais, negando o serviço militar obrigatório pela objeção de consciência e realizando manifestações massivas contra a guerra. Podemos citar também, a experiência dos Panteras Negras que realizavam a autodefesa de seus territórios e comunidade contra a violência policial em várias partes dos Estado Unidos dos anos 1960 e 1970, e no Brasil, existiram diversos grupos de guerrilha de autodefesa da classe trabalhadora e camponesa contra a Ditadura Civil-Militar.

No que se refere a luta contra o patriarcado, o movimento feminista e LGBTQI+ nos fornecem lições tanto no que diz respeito às táticas e estratégias quanto na produção teórica e organizativa para todos os movimentos de resistência. É o caso, por exemplo, das produções teóricas de Angela Davis, Judith Butler, Emma Goldman, Maria Lacerda de Moura, as mulheres curdas e muitas outras ao refletirem uma nova epistemologia, como é o caso da interseccionalidade entre classe, raça, sexualidade e gênero e da Jinealogia (ciência feminista curda). Mas também a nível organizativo, na medida em que refletem sobre a própria estrutura de poder no interior das organizações socialistas, comunistas e anarquistas, no qual podemos citar as experiências das Mujeres Libres na Espanha e sua atuação na anarcossindicalista Confederación Nancional del Trabajo e do Confederalismo Democrático, YPJ e o protagonismo das mulheres na Revolução Curda.

Por fim, um último traço do Bolsonarismo e as experiências históricas das lutas sociais no Brasil e no Mundo, é o Colonialismo e as lutas anticoloniais e decoloniais. Fora as experiências já citadas dos Panteras Negras que combatiam o racismo nos EUA e o Confederalismo Democrático no norte da Síria, podemos também ter como horizonte de experiência de luta, o movimento indígena no Brasil, que está em resistência desde o momento em que o branco pisou o pé por estas terras e disse “é meu”. Duas referências do movimento são Ailton Krenak, que recentemente lançou o livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, e o Yanomami Davi Kopenawa, que no dia 4 de dezembro de 2019 ganhou o prêmio Right Livelihood, mais conhecido como “Nobel Alternativo”, por sua longa trajetória de luta em defesa do meio ambiente e dos povos indígenas. Acerca da resistência indígena em outras partes do mundo, vimos qual é o peso do movimento nas recentes mobilizações em toda a América Latina. No entanto, no meu ponto de vista, dos movimentos indígenas o mais criativos e que tem a minha grande admiração são os neozapatistas do sul do México na região de Chiapas. Este movimento tem suas origens por volta da metade dos anos 1980 e que em detrimento da ALCA no dia primeiro de janeiro de 1994, se insurge contra o neoliberalismo. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) é o braço militar sem ser militarizado do movimento zapatista e que consegue garantir, até hoje, a construção de uma forma de organização autônoma ao Estado e ao capitalismo neoliberal a partir do que eles chamaram caracoles. Uma experiência revolucionária em andamento e que devemos estudar com maior atenção e respeito.

Portanto, todo conjunto de elementos que o Bolsonarismo carrega em si e que foi institucionalizado por Bolsonaro na fundação do APB, fundamenta o que podemos chamar de um Neofascismo brasileiro. Em oposição ao Bolsonarismo, a história das lutas sociais no Brasil e no mundo, nos relegam análises, perspectivas, estratégias, táticas e formas de organização muito eficientes para combate-lo. Contra o fundamentalismo religioso, o anticlericalismo. Contra o nacionalismo, o internacionalismo. Contra o patriarcado, o feminismo e a questão de gênero. Contra o militarismo, o antimilitarismo e a autodefesa. Contra o colonialismo, a luta do movimento indígena e negro anticoloniais e decoloniais. Contra a defesa da propriedade privada, a Guerra de Classes.

*Vitor Ahagon é professor de história e membro da Biblioteca Terra Livre

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