Menos de 24 horas após ser chamada de "pirralha" pelo presidente Jair Bolsonaro, ativista Greta Thunberg é escolhida a 'personalidade do ano' pela revista 'Time'. Aos 16 anos, estudante sueca é a mais jovem a ser premiada
Greta Thunberg foi escolhida a Personalidade do Ano pela revista Time por sua luta contra as mudanças climáticas nesta quarta (12). No dia anterior, Jair Bolsonaro, que tem sido apontado como uma ameaça ao planeta por seu apoio a quem desmata e queima a Amazônia, a chamou de “pirralha”.
Ela havia criticado a morte de indígenas no Brasil. Ao comentar, Jair mostrou a falta que maturidade faz. Reclamou do espaço que a imprensa dava a ela e aproveitou para surfar na popularidade da ativista sueca, uma vez que ele não tem luz própria nesse tema. Pelo contrário, moveu o país do posto de líder no debate ambiental para o de pária.
Debochando do presidente, a jovem de 16 anos – que tem liderado estudantes para cobrar governos por medidas concretas contra o aquecimento global – mudou sua bio para “pirralha”. Com a escolha da prestigiosa Time, Bolsonaro foi alvo de escárnio internacional, o que não tem sido uma novidade desde que assumiu em janeiro. Detalhe: ele também concorria à mesma indicação.
Após o sarcasmo de Greta viralizar globalmente, nesta terça, o porta-voz da Presidência da República afirmou que o presidente não foi descortês ou inadequado com Greta. “Pirralha é uma criança ou pessoa de pequena estatura. Do ponto de vista gramatical ele não foi descortês”, afirmou.
O comportamento é bastante característico da Presidência da República: fala a bobagem e, ao invés de assumir o que disse, nega e afirma que foi mal compreendido por conta de uma suposta má fé da imprensa contra ele. Ou terceiriza responsabilidades.
No caso da Amazônia, por exemplo, incentivou através de discursos que madeireiros, garimpeiros, grileiros e pecuaristas botassem abaixo e transformassem em cinzas a floresta em nome do desenvolvimento. Acusado disso após os índices de devastação darem um salto, culpou indígenas, cientistas, camponeses, ONGs, Leonardo DiCaprio, governadores estaduais, a imprensa, tirando o seu corpo fora.
Sim, a palavra “pirralha” também tem esse significado. Mas ele claramente escolheu o significado pejorativo ao se referir sobre ela.
No conto “Famigerado”, presente no livro “Primeiras estórias”, de Guimarães Rosa, um médico do interior recebe a visita que quatro jagunços. Seu líder, Damásio Silveira, quer que ele explique o significado da palavra “famigerado”, pois a ouviu de um membro do governo. Com medo de provocar uma guerra com isso, ele trouxe à tona outros significados da palavra – “célebre”, “notório”, “notável”. Não disse que também significava “tristemente afamado”, mas deu recados nas entrelinhas. O jagunço não entendeu e ficou satisfeito com o “elogio”.
Consultando o Grande Dicionário Houaiss, vemos que tosco também significa aquele “que se apresenta tal como veio da natureza”. Incapaz também é “aquele que é excluído de certas funções por força de lei”. Grosso refere-se aquele “com consistência, denso”. Limitado significa “aquele que tem limites estipulados no poder”. Tapado é o “rio que passou a desaguar em lagoas por ter a foz obstruída naturalmente”.
Se o Palácio do Planalto está dando a oportunidade de usarmos palavras com múltiplo sentidos para se referir a alguém, podendo escolher o sentido dela mesmo que vá de encontro ao entendimento coletivo, ele não vai se importar que chamarmos o presidente por esses termos. Talvez veja até como elogio.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
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