The New York Times revela como foi a corrida dos EUA para proteger suas tropas em base iraquiana nas 3 horas entre o alerta e a chuva de mísseis balísticos do Irã. Jornal relata ainda como Trump construiu sua retórica após os ataques
The New York Times
O alerta chegou à Casa Branca pouco após as 14h da terça-feira (7), uma mensagem rápida das agências de espionagem americanas que autoridades às vezes descrevem como um “squawk” –uma queixa. Dizia que um ataque iraniano contra tropas americanas era quase certo nas próximas horas.
Ao longo do dia já havia chegado uma enxurrada de ameaças potenciais –de ataques com mísseis e foguetes, de ataques terroristas contra americanos em outros lugares do Oriente Médio, até um aviso de que centenas de milicianos apoiados pelo Irã poderiam tentar atacar a grande base aérea americana de Ail al-Asad, no deserto ocidental do Iraque.
Mas a especificidade do aviso mais recente levou o vice-presidente Mike Pence e o assessor de segurança nacional da Casa Branca, Robert C. O’Brien, a descerem para o subsolo da Casa Branca, onde assessores estavam reunidos na Sala de Situações. O presidente Donald Trump chegou um pouco mais tarde, depois de concluir um encontro com o primeiro-ministro grego.
Três horas mais tarde uma chuva de mísseis balísticos lançados do Irã caiu sobre duas bases no Iraque, incluindo Ain al-Asad, onde cerca de mil tropas americanas estão estacionadas. Os ataques vieram coroar um dia frenético cheio de confusão e desinformação em que em alguns momentos pareceu que uma escalada militar perigosa poderia conduzir a uma guerra maior.
Trump passou horas com seus assessores monitorando as ameaças mais recentes. Planejadores militares estudaram opções para retaliar no caso de o Irã matar militares americanos.
Este relato das horas tensas que cercaram os ataques da terça-feira é baseado em entrevistas com antigos e atuais funcionários americanos e pessoal militar em Washington e no Iraque.
No final, é possível que os ataques com mísseis tenham assinalado um final sem sangue do capítulo mais recente no conflito entre a América e o Iraque que fervilha em fogo baixo há quatro décadas. Trump declarou na quarta-feira que o Irã “parece estar recuando” após dias de tensão crescente desde o assassinato do general Qassim Suleimani. Mas poucos que acompanham de perto a dinâmica do relacionamento dos EUA com os Irã preveem um futuro pacífico.
“Se este ataque realmente for a soma total da resposta do Irã, é um grande sinal de desescalada, algo que devemos receber com gratidão”, comentou Kirsten Fontenrose, que foi responsável por questões do Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional em uma fase anterior da administração Trump.
PREPARANDO-SE PARA RETALIAÇÕES
Horas antes de funcionários da Casa Branca e do Pentágono chegarem às suas mesas de trabalho na terça-feira, tropas americanas no Iraque já se preparavam para a retaliação iraniana para vingar a morte do general assassinado.
Satélites espiões rastreavam os movimentos do arsenal iraniano de lançadores de mísseis, e comunicações entre líderes militares americanos interceptadas pela NSA (Agência de Segurança Nacional) haviam indicado que a resposta ao assassinato de Suleimani poderia ser dada nesse dia.
A base de Ain al-Asad, na província iraquiana de Anbar, era alvo de várias ameaças vagas, incluindo um aviso de que centenas de combatentes do Hizbullah Kataib, milícia iraquiana treinada e equipada pelo Irã, poderiam atacar a base diretamente.
A base estava relativamente vulnerável, não sendo protegida por sistemas de defesa antimísseis Patriot, segundo um oficial militar americano. Os mísseis Patriot foram transferidos para outros países do Oriente Médio vistos como sendo mais suscetíveis a ataques de mísseis iranianos. Por isso os comandantes americanos se prepararam para evacuar a base parcialmente e transferiram a maioria dos militares remanescentes a abrigos reforçados para resistirem a qualquer ataque que pudesse ocorrer.
Quando amanheceu em Washington, as informações recebidas ainda eram vagas o suficiente para a Casa Branca decidir conservar a programação prevista do dia para Trump, incluindo o encontro com o primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis.
Funcionários da administração voltaram a defender o assassinato de Suleimani, em meio a críticas crescentes de que não possuíam ou não queriam compartilhar os dados de inteligência que, segundo eles, teria motivado o ataque. No Departamento de Estado, o secretário Mike Pompeo disse a jornalistas numa coletiva de imprensa que matar Suleimani “foi a decisão correta”.
Horas mais tarde, enquanto Trump estava reunido com Mitsotakis, a Casa Branca recebeu o alerta “squawk” sobre um provável ataque com mísseis. Pence e O’Brien lideraram a discussão inicial na Sala de Situação sobre como fazer frente à ameaça, avaliando as informações recebidas sobre os prováveis alvos dos iranianos.
Enquanto isso, no Gabinete Oval, Trump estava sentado ao lado de Mitsotakis e repórteres o enchiam de perguntas sobre a crise com o Irã. O presidente evitou responder a perguntas sobre a ameaça que havia feito dias antes, quando disse que os EUA poderiam considerar atacar sítios culturais iranianos. Mas manteve um tom ameaçador.
“Se o Irã fizer qualquer coisa que não deve, vai sofrer as consequências, e de modo muito forte”, disse Trump. “Estamos totalmente preparados.”
CONFUSÃO E DESINFORMAÇÃO
Quando a breve coletiva de imprensa terminou, Trump desceu vários lances de escada para chegar à Sala de Situação.
Com sanduíches empilhados sobre um aparador na sala, o grupo que aconselhou o presidente na sala em diferentes momentos do dia incluiu alguns funcionários veteranos de segurança nacional, incluindo o presidente do Estado-Maior Conjunto, general Mark A. Milley, veterano do Exército com quase 40 anos de experiência; Keith Kellogg, tenente-general da reserva do Exército que atua como assessor de segurança nacional de Pence, e Joseph Maguire, diretor interino de inteligência nacional.
O grupo também incluiu Pompeo, que se tornou um dos principais impulsionadores da política da administração Trump em relação ao Irã, defendendo o que ele frequentemente descreve como uma “dissuasão restauradora” contra a agressão de Teerã no Oriente Médio. Como proponente destacado do ataque da sexta-feira (3) que matou Soleimani, Pompeo exerceu papel instrumental em levar Trump ao ponto de crise.
Mas outros sentados em volta da mesa na Sala de Situação têm experiência apenas modesta com política externa, entre eles Mick Mulvaney, o chefe de gabinete interino da Casa Branca e ex-deputado pela Carolina do Norte, e O’Brien, que foi advogado em Los Angeles antes de passar dois anos e meio como principal negociador de Trump sobre reféns e assumiu o cargo de assessor de segurança nacional em setembro.
A diretora da CIA, Gina Haskel, monitorou a crise a partir da sede da CIA na Virgínia e participou da reunião via vídeo. Segundo antigos e atuais funcionários americanos, nos dias que antecederam a morte de Soleimani Haskel disse a Trump que o perigo representado pelo general iraniano era maior que o perigo da resposta iraniana se ele fosse morto.
De fato, Haspel previu que a resposta mais provável seria um ataque iraniano com mísseis contra bases com tropas americanas estacionadas –a própria situação que parecia estar acontecendo na tarde de terça-feira.
Haspel não assumiu nenhuma posição formal quanto à conveniência de Suleimani ser morto ou não, mas funcionários que ouviram sua análise saíram dela com a ideia inequívoca de que a CIA acreditava que matar Suleimani melhoraria a segurança no Oriente Médio, e não a enfraqueceria.
Mas naquele momento, dias após a morte de Suleimani, o presidente e seus assessores enfrentavam uma enxurrada de informações conflitantes. Por volta das 16h chegaram informações de que um campo de treinamento militar ao norte de Bagdá poderia ter sido atingido.
Funcionários da Casa Branca e do Departamento de Estado aguardaram ansiosamente para o Pentágono fornecer informações sobre os danos ao campo, a base aérea de Taji, onde há tropas americanas estacionadas. Foi um alarme falso, mas funcionários americanos disseram na quarta-feira acreditar que vários dos mísseis disparados no dia anterior teriam sido destinados à base.
Quando as informações sobre Taji chegaram, alto-falantes na embaixada dos EUA em Bagdá anunciaram que um ataque poderia ser iminente. Como haviam feito nos dias anteriores, funcionários americanos e iraquianos da embaixada correram para abrigos antibombas.
Uma hora mais tarde os primeiros mísseis a caminho de Ain al-Asad sobrevoaram a embaixada.
UMA CHUVA DE MÍSSEIS
Por volta das 17h30 em Washington, o Pentágono detectou o primeiro de 16 mísseis Fateh 110 e Shahab de curto e médio alcance disparados de três pontos em território iraniano.
Vários dos mísseis atingiram Ain Al-Asad, mas causaram apenas danos mínimos. Atingiram um helicóptero Black Hawk e um drone de espionagem, além de partes de uma torre de controle de tráfego aéreo.
O ataque também destruiu várias tendas.
Minutos mais tarde uma saraivada de mísseis atingiu uma base aérea em Irbil, no norte do Iraque, que foi um centro das forças de Operações Especiais durante os combates contra o Estado Islâmico, com centenas de tropas americanas e de outros países aliados, especialistas em logística e inteligência. Não ficou clara a extensão dos danos sofridos pela base, mas não houve mortos ou feridos.
Por que os ataques iranianos causaram tão poucos danos? Trump atribuiu o fato “às precauções tomadas, à dispersão de forças e ao sistema de aviso precoce, que funcionou muito bem”. Um oficial americano sênior rejeitou a ideia de que o Irã teria evitado intencionalmente matar tropas americanas, em vez disso mirando partes não habitadas das duas bases.
Quando os ataques terminaram, Trump e Pence fizeram vários telefonemas a líderes do Congresso, e mesmo alguns dos aliados de linha mais dura do presidente disseram que Trump precisa ser comedido em sua resposta aos ataques iranianos.
Relatando a conversa que teve com o presidente, o senador republicano Lindsay Graham disse que falou a Trump: “Vamos recuar por alguns dias e esperar para ver o que acontece”.
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