Redação Pragmatismo
Mulheres violadas 18/Fev/2020 às 16:47 COMENTÁRIOS
Mulheres violadas

Incapaz de governar, Bolsonaro comete violência sexual contra repórter

Publicado em 18 Fev, 2020 às 16h47

Ao cometer violência de cunho sexual grotesca contra repórter, Jair Bolsonaro reforça a percepção de que é incapaz de ocupar a Presidência da República

patrícia campos mello bolsonaro
Patrícia Campos e Bolsonaro

Leonardo Sakamoto, em seu blog

Agindo na posição em que se sente mais confortável, a de meme de grupo de WhatsApp, Jair Bolsonaro repetiu a grotesca violência de cunho sexual contra a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo, na manhã desta terça (18), em frente ao Palácio do Alvorada.

A agressão já havia sido feita por um depoente na CPMI das Fake News e por seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.

“Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, afirmou Bolsonaro.

Ao afirmar — de forma inconcebível para o líder de uma democracia — que uma jornalista ofereceu sexo em troca de informações, ele reforça a percepção de que é incapaz de ocupar a Presidência da República.

Apesar de seu comportamento agressivo, egocêntrico, pouco empático e sem remorso demonstrar psicopatia, ele mostrou mais uma vez que usa, compulsivamente, o cargo de forma racional e consciente para cometer crimes contra aqueles que enxerga como adversários e no intuito de defender sua família.

Caso as instituições que exercem freios e contrapesos ao Poder Executivo estivessem funcionando normalmente, a Câmara dos Deputados autorizaria a abertura de um processo criminal apresentado pela Procuradoria-geral da República contra ele no Supremo Tribunal Federal. Ou começaria um impeachment, nem que fosse apenas para mostrar à sociedade que há limites. Mas não há. E, em nome das “reformas”, tudo é perdoado.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência sexual como “insinuações sexuais indesejadas; ou todo ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual; ou ações para comercializar ou usar de qualquer outro modo a sexualidade de uma pessoa por meio da coerção por outra pessoa, independentemente da relação desta com a vítima, em qualquer âmbito, incluindo o lar e o local de trabalho”.

O presidente da República reverberava a declaração de Hans River Nascimento, ex-empregado de uma agência de disparo de mensagens digitais, que depôs na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News. Ele, que havia sido fonte do jornal, mentiu à CPMI sobre o que havia dito anteriormente e atacou de forma abjeta a repórter, dizendo que ela ofereceu sexo por informação.

SAIBA MAIS: Ao vivo, Datena pede a prisão de Hans River

Horas depois, a Folha de S.Paulo publicou as trocas de mensagens dela com o depoente, bem como documentos por ele fornecidos. Verificou-se que era ele quem havia dado em cima dela, ação que a repórter, educadamente, ignorou.

Com isso, Bolsonaro entreteve a claque que vai beijar sua mão diariamente na frente do palácio, rindo com a ignorância de seus próprios fãs, que a tudo aplaudem. Mas também animou os milhares de seguidores que compartilharam, nos últimos dias, memes com a acusação de que uma das mais premiadas jornalistas brasileiras trocou informação por sexo. Mantém, com isso, os soldados excitados e prontos para a “guerra cultural”.

Com esse teatro, o presidente dá apoio à estratégia adotada por seu filho, Eduardo Bolsonaro. Logo após o depoimento de Hans River, ele declarou, no Congresso Nacional e em suas redes sociais, que Patrícia Campos Mello pode ter “se insinuado sexualmente em troca de informações para tentar prejudicar a campanha de Jair Bolsonaro”. Exércitos de contas falsas e perfis reais passaram a atacá-la em uma das campanha de linchamento. Isso, claro, ajuda a nublar a capacidade da CPMI de investigar a tentativa de manipular o resultado da eleição de 2018.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro criou mais um factoide para desviar a atenção sobre a investigação a respeito da morte de Adriano da Nóbrega, o líder do grupo de matadores de aluguel “Escritório do Crime”, ligado ao antigo gabinete de seu filho, o senador Flávio. Preocupado com o que podem vir a descobrir sobre sua família nos celulares encontrados com miliciano, o presidente tentou se vacinar nesta terça: “Quem fará a perícia nos telefones do Adriano? Poderiam forjar trocas de mensagens e áudios recebidos? Inocentes seriam acusados do crime?”.

E, sobretudo, todo esse ruído ajuda a desviar o foco da economia: apesar do otimismo de parte do empresariado, ela segue derrapando e a geração de postos formais de trabalho continua em ritmo lento demais para um povo que está passando necessidade. O presidente já demonstrou que não sabe como fazer o país crescer mais rapidamente e seu ministro da Economia gasta tempo chamando funcionários públicos de “parasitas” e criticando o diminuto grupo de empregadas domésticas que conseguiu ir à Disney.

Sem contar os assessores que batem de frente com a bandeira de ética – do frondoso laranjal do ministro do Turismo, Álvaro Marcelo Antônio, ao conflito de interesses do chefe da Comunicação Social do Palácio do Planalto, Fábio Wajngarten – que continuam defendidos por Jair.

Bolsonaro precisa que ninguém perceba nada isso. O ataque de hoje não é mais uma golden shower, para citar uma tentativa de desviar o foco da opinião pública no Carnaval passado. O linchamento público promovido contra uma jornalista por um presidente, seu filho e seus aliados é um passo além: um teste que Bolsonaro faz com as instituições brasileiras. Aposta que os outros poderes são tão frágeis que vão se dobrar, como já se dobraram o Coaf, a Receita Federal, a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República…

Se o ressentimento bolsonarista contra uma das principais repórteres investigativas do país – responsável por uma série que revelou como empresários gastaram milhões de reais em disparos em massa de mensagens de WhatsApp para beneficiar o então candidato Bolsonaro – segue mostrando seus dentes afiados, o governo prova que está entrando em uma nova fase. Em breve, vai se sentir mais livre. E despejar as aberrações que desejar.

A questão é que se o presidente continuar usando o mandato para praticar violência explícita contra aqueles que considera adversários e para defender a si mesmo e seus filhos sem que a sociedade dê um basta, um dos dois não chega a 2022: seu governo ou a democracia.

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