Alvo de várias contestações, o que legitima Bolsonaro no poder é justamente a a princípio perfeita observância das regras jurídico-democratas-republicanas que o elegeu. Isso é grandioso
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Preocupante, pra dizer o mínimo, a incitação do Presidente a manifestações contra o Congresso Nacional e o STF. É uma clara volta ao Ocidente pré-contemporâneo, em que os regimes totalitários eram a regra. Isso só se rompeu com a Revolução Francesa. Era o longínquo 1789.
É bem verdade que no Brasil o republicanismo se deu somente cem anos depois. E sem o povo nas ruas. A burguesia, como em todas as revoluções, participou, mas não conclamou (ou convenceu) o povo a participar. Mas, passados alguns entretantos nesse ínterim, a democracia está aí. E é, inegavelmente, o melhor sistema de governo. Sem ela, estas mal traçadas linhas não estariam publicadas, provavelmente, por exemplo.
O Iluminismo, base filosófica do movimento francês, influenciou outros países. O Brasil inclusive. No parágrafo único da nossa Constituição, parafraseamos Rousseau: “todo o poder emana do povo”. A ideia é ampla e só suscita a hermenêutica. Mas nossa organização administrativa é montesquiana. Três poderes, que são independentes e harmônicos entre si. Um fiscaliza o outro. Em harmonia!, deve-se salientar.
Quando o principal líder do País, pois chefe do principal poder, conclama o povo a ir às ruas contra os demais dois poderes, é o absolutismo nos convidando ao retrocesso.
Dizem os entusiastas da anarquia (aqui, no sentido literal e figurado) que os deputados e senadores não lhe representam. Concordo. Estranho seria o contrário.
Temos 513 deputados. Mais 81 senadores (deveriam ser os “senis” sábios, conforme regra romana. A discutir se o são). Dezenas de partidos. É muita pluralidade. Votamos em um candidato à Câmara e em mais um ou dois ao Senado. Com sorte, ajudamos a eleger um deputado e dois senadores em mais de seiscentos congressistas. Mesmo se considerarmos as aproximações ideológicas e/ou partidárias, repito, é muita diversidade. Impossível que o Congresso, em qualquer tempo e independente de ideologia, me represente em sua maioria.
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Já o Poder Judiciário, guardião das leis não feitas por ele, deve não necessariamente agir pela maioria. Fosse assim, atropelariam justamente aquilo que lhe norteia, a legislação. Por isso os cargos deste poder não são eletivos. São providos por concursos, em que, em tese, passam os que mais sabem de leis. Nas vagas do STF, é necessário notório saber jurídico, o que se comprova pela sabatina com os “senis” e equilibrados senadores. Questionável se é a mais justa a forma de indicação, de aprovação e de permanência, mas é o que a nossa república prevê. O Congresso (o Congresso, grife-se) pode discutir e mudar.
Alvo de várias contestações, o que legitima Bolsonaro no poder é justamente a a princípio perfeita observância das regras jurídico-democratas-republicanas que o elegeu. Isso é grandioso. Mas, ao questionar os outros poderes, quer ser Luís XIV, se achando o sol que a todos ilumina nesta Terra que, sinais dos tempos, para muitos, é plana.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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