Chefe do 'Escritório do Crime', Adriano era considerado peça-chave para esclarecer o assassinato de Marielle Franco. O miliciano foi homenageado por Flávio Bolsonaro e defendido publicamente por Jair Bolsonaro. Poupado por Sergio Moro, Adriano não apareceu na lista dos 'mais procurados do Brasil'
O miliciano Adriano da Nóbrega foi encontrado morto neste domingo (9). Adriano era o chefe do ‘Escritório do Crime’, milícia mais poderosa do Rio de Janeiro. O ex-capitão do Bope é citado na investigação que apura acúmulo de salários quando Flávio Bolsonaro era deputado estadual.
A informação da morte de Adriano foi divulgada pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia. O ex-policial estava foragido há mais de um ano e é investigado por participar do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ).
Nas primeiras horas da manhã de domingo ele foi localizado em um imóvel, na zona rural da cidade de Esplanada, na Bahia. Policiais que participaram da operação que culminou na execução de Adriano afirmaram que ele reagiu. No entanto, as versões do episódio ainda são muito conflitantes.
“No momento do cumprimento do mandado de prisão ele resistiu com disparos de arma de fogo e terminou ferido. Ele chegou a ser socorrido para um hospital da região, mas não resistiu aos ferimentos”, diz nota publicada pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia.
Em entrevista ao Estadão, uma funcionária do hospital contesta a nota da PM. Ela afirma que Adriano chegou ao local sem vida e que seu corpo foi levado para o Instituto Médico Legal de Alagoinhas.
Defendido por Jair Bolsonaro
Quando era deputado federal, o presidente Jair Bolsonaro fez uma defesa pública de Adriano da Nóbrega. Na época, o miliciano já estava sofrendo com acusações.
“Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente Adriano da Nóbrega, acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele [Adriano] sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar”, afirmou Jair Bolsonaro em áudio que pode ser ouvido aqui.
Homenageado por Flávio Bolsonaro
Ainda em 2005, Adriano da Nóbrega foi homenageado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro o agraciou com a medalha Tiradentes, a mais alta honraria do Legislativo estadual.
Segundo investigações do Ministério Público, Adriano era amigo do ex-PM Fabrício Queiroz, ex-funcionário do gabinete de Flávio Bolsonaro.
A mulher e a mãe de Adriano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães, trabalharam no gabinete de Flávio.
Queiroz teria inclusive recebido repasses de duas pizzarias controladas por Adriano. A Pizzaria Tatyara Ltda repassou R$ 45.330 mil. o Restaurante e Pizzaria Rio Cap Ltda enviou R$ 26.920 mil.
O MP suspeita que Adriano seja sócio oculto dos dois estabelecimentos. Formalmente, contudo, o ex-policial não aparece no quadro societário das empresas. Quem aparece é a mãe dele, Raimunda.
Os promotores investigam se o saque de R$ 202 mil das contas de Danielle e Raimunda foram entregues em mãos a Fabrício Queiroz, evitando assim qualquer rastro dos repasses.
Queima de arquivo
De acordo com reportagem publicada pelo Estadão, Adriano da Nóbrega sabia que queriam matá-lo. O ex-capitão do Bope estava preocupado com os últimos movimentos da polícia quando decidiu ligar para seu advogado, Paulo Emilio Catta Preta, na quarta-feira (5) passada. O miliciano nunca havia falado diretamente com o advogado.
Na conversa, ele teria relatado que tinha “certeza” de que queriam matá-lo para “queimar arquivo”. A viúva de Nóbrega teria feito o mesmo relato.
Catta Preta negou que Nóbrega tivesse uma pistola austríaca calibre 9mm. Segundo a Polícia da Bahia, o miliciano usou a arma para atirar nos policiais quando foi abordado na manhã deste domingo. A polícia diz ainda que, além da pistola, havia mais três armas no imóvel onde Nóbrega foi encontrado.
O advogado disse que tomará todas as “medidas cabíveis” para que a morte de Nóbrega seja investigada de forma independente.
No último dia 31 de janeiro, Adriano da Nóbrega escapou de outra ação realizada pela Polícia Civil da Bahia, organizada a pedido da Polícia Civil do Rio. Na ocasião, a equipe de policiais civis foi até a casa onde a família de Nóbrega está hospedada, mas não o localizou — só estavam a mulher e duas filhas dele. Segundo a Polícia Civil do Rio, o ex-PM esteve lá nos dias anteriores, mas conseguiu fugir antes da chegada dos policiais.
Morreu em sítio de vereador do PSL
Adriano estava escondido no sítio do vereador do PSL Gilsinho da Dedé. O PSL é o partido pelo qual Jair Bolsonaro elegeu-se presidente e que, recentemente, pediu desfiliação.
“De fato ele estava no sítio. Qual a relação que ele tem com o dono da fazenda. Isso tudo veio da polícia do Rio. Espero que eles nos passem todas as informações, porque nós não sabíamos de quem era a fazenda. Os desdobramentos da operação em si são nossos mas as informações de por que ele estava lá são da polícia do Estado do Rio”, contou Maurício Barbosa, secretário de Segurança Pública da Bahia.
Sergio Moro
Em 31 de janeiro, mesmo dia em que Adriano da Nóbrega escapava a um primeiro cerco na Bahia, o ministro da Justiça, Sergio Moro, divulgava a lista de criminosos procurados em razão da sua periculosidade. E, para a surpresa de especialistas em segurança pública, o nome de Adriano não estava lá.
“Ao não incluir Adriano na lista — o que indica o índice de periculosidade do bandido e sua importância para desbaratar estruturas criminosas —, o ministro estava, na prática, entregando o homem a seus antigos amigos e, presentemente, algozes. Não é questão de querer, mas de fato”, escreve o jornalista Reinaldo Azevedo.
“Se Sérgio Moro não esclarecer cabalmente este estranhíssimo encadeamento de fatos que inequivocamente estabelece vínculos entre Bolsonaro, filhos e mulher, Queiroz, as milícias do RJ e o assassinato de Marielle e Anderson, terá se transformado em cúmplice”, afirmou o ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT).
O jornalista Glenn Greenwald também se manifestou:
“Operação suspeita”
“Uma operação policial fruto de um ano de trabalho de investigação, inteligência e cooperação que culmina, não com a prisão, mas com a morte de um foragido peça-chave em casos que movimentam a República. Isso é um grande azar ou um caso de queima de arquivo”, observa José Cláudio Souza Alves, estudioso das milícias no Rio de Janeiro.
“Uma operação de cerco lida mais com paciência, espera, controle e dissuasão do que com um confronto direto”, avalia Alves, que é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro “Dos Barões ao Extermínio – Uma História da Violência na Baixada Fluminense” (APPH, 2003), em que remonta as origens das milícias do Rio de Janeiro a partir dos grupos de extermínio que funcionam da região desde os anos 1960.
“Estamos falando de um quadro simplificado: um cerco a uma casa no campo. Investiram recursos públicos para desembocar naquilo que é o oposto do desejável. É inacreditável.”
O professor vai além:
“Adriano não estava em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio, armado até os dentes e cercado de outros milicianos do seu grupo. Ele não está numa favela, um território com alta complexidade onde não existe nitidez sobre quem é quem, numa configuração espacial urbana que dificulta a operação. Ele estava numa residência em um espaço rural no interior da Bahia.
Como o fator surpresa estava nas mãos dos investigadores, se o objetivo fosse prendê-lo, os policiais poderiam eleger o momento ideal para isso e fazer um cerco.
Não há plausabilidade na situação descrita pela polícia de que ele teria reagido, se ferido e acabado morto. Na minha visão, é uma operação suspeita.
O Adriano era um cara com ampla experiência nesta área. Atuou no Bope. Numa condição de cerco, ele saberia que não teria chance alguma e se entregaria. Tudo indica, portanto, que partiram de um plano para eliminá-lo”.
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook