Paulo Freire em SP e mulheres negras no Rio, os vencedores do Carnaval 2020
Viradouro homenageia “primeiras feministas do Brasil” e é campeã do Carnaval 2020 no Rio de Janeiro. Em São Paulo, Águia de Ouro afrontou o governo Bolsonaro e venceu com homenagem a Paulo Freire
Assinado pelo casal de carnavalescos Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira, o enredo ‘De Alma Lavada’, da Viradouro, homenageou o grupo musical baiano As Ganhadeiras de Itapuã, que faz samba de roda, para abordar o protagonismo feminino na história brasileira. A
A escola de samba de Niterói volta a levar o título do carnaval carioca depois de 23 anos — no ano passado, foi vice-campeã com um enredo sobre histórias encantadas. A Viradouro deixou para trás a Grande Rio, em segundo lugar, seguida de Mocidade, Beija-Flor, Salgueiro e Mangueira. União da Ilha e a Estácio de Sá foram rebaixadas.
O enredo da Viradouro já havia vencido na terça-feira (25/02) o Estandarte de Ouro — premiação de voto popular do jornal O Globo. “A nossa vida mudou com esse desfile, não só pela mídia, mas pelo nosso próprio autoconhecimento. Nós entendemos que representamos milhões de mulheres que lutam todos os dias pela sobrevivência. Há um crescimento social nisso”, comentou Ivana Soares, produtora da banda As Ganhadeiras de Itapuã ao jornal baiano Correio.
Com alegorias e fantasias luxuosas, a Viradouro foi uma das escolas que mais animou o público da Sapucaí, desde a comissão de frente, que trouxe uma atleta no nado sincronizado, Anna Giulia, como uma sereia em um aquário de sete mil litros de água. A ala das baianas, que representaram quituteiras, com saias bordadas com abarás, acarajés e tapiocas, jogou cocada para a arquibancada.
Com influência do afoxé, ritmo baiano de matriz africana, nos batuques e na melodia, o samba da escola campeã cantou as mulheres escravizadas de Salvador, que, no século XIX vendiam comida e lavavam roupas na lagoa do Abaeté e, com o dinheiro arrecadado, compravam sua própria alforria e a de outras mulheres. Dessa história nasce o grupo d’As Ganhadeiras de Itapuã. Elas foram exaltadas no desfile como as “primeiras feministas do Brasil”.
A Viradouro conquistou público, críticos e jurados ao aliar uma forte tradição cultural, com referências à ancestralidade negra, à atualidade de questões feministas. Foi uma lavada de alma e de bom gosto. Com a proposta de dar um mergulho na Lagoa do Abaeté e no mar de Itapuã, a Viradouro homenageou Oxum, tocando um ijexá —com um atabaque gigante no meio dos ritmistas— em diversos momentos do desfile. “Oh mãe, ensaboa, mãe”, cantava junto com a escola a arquibancada da Sapucaí.
A Viradouro também mostrou a transformação dos terreiros em ateliês onde as mulheres realizavam manufaturas e fez um passeio pelas manifestações folclóricas que influenciaram o surgimento d’As Ganhadeiras de Itapuã. O desfile foi encerrado com o setor Os tesouros do Brasil, que homenageou outros grupos folclóricos formados por mulheres.
PAULO FREIRE
Em São Paulo, a escola de samba Águia de Ouro sagrou-se a grande campeã do carnaval, com o enredo “O poder do saber – Se saber é poder….Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. O samba fala sobre a importância da educação, a evolução do conhecimento humano e homenageou o educador Paulo Freire, alvo constante de ataques do presidente Jair Bolsonaro, dos seus ministros e apoiadores.
Além de lembrar o patrono brasileiro da educação em uma das alegorias que lembrava uma escol, a Águias de Ouro lembrou uma das frases mais famosas do educador – “não se pode falar de educação sem amor” – e levou as arquibancadas a cantar repetir várias vezes “Viva Paulo Freire”.
O samba enredo campeão abordou a história do conhecimento, partindo da Idade da Pedra. A escola ainda incluiu em suas alas mensagens sobre diversidade e pessoas com deficiência.
É a primeira vez que a escola, que tem sede no bairro da Pompeia, zona oeste da capital, conquista a disputa no Grupo Especial. A Mancha Verde ficou em segundo lugar, seguida da Mocidade Alegre, em terceiro. As três, mais Acadêmicos do Tatuapé, que ficou em quarto, e Dragões da Real (quinto), voltam à avenida na próxima sexta-feira (28), para o Desfile das Campeãs.
As tradicionais X-9 Paulistana e Pérola Negra ficaram respectivamente em 13º e 14º lugares e foram rebaixadas para o Grupo de Acesso do Carnaval de São Paulo no ano que vem.
O ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) parabenizou a escola vencedora e aproveitou para provocar o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Educação, Abraham Weintraub.
“Quem sabe o Bolsonaro se anima, lê um livro do Paulo Freire e alfabetiza seu ministro. Parabéns Águia de Ouro: campeã do Carnaval 2020 de São Paulo”, postou no Twitter, ironizando a falta de conhecimento e leitura da dupla.