Saúde

Coronavírus: colunista do Globo descreve a agonia da infecção

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"Começou com uma dor abdominal lancinante e difícil de localizar. Quando veio a manhã, a falta de ar. É difícil descrever. Não tenho asma. Não é exatamente o ofegante de após uma corrida. Me ocorreu que pudesse ser psicossomático [...]"

Pedro Doria

Pedro Doria, colunista dos jornais O Globo, Estadão e da CBN, descreveu como é a agonia de sentir a Covid-19. Leia a íntegra do seu relato:

“Começou com uma cólica, na quinta-feira — e eu não tinha ideia de que cólicas tinham a ver com o novo coronavírus. Uma dor abdominal lancinante e difícil de localizar. Não parecia ser no intestino, tampouco no músculo. Como se fosse na camada entre ambos. Doía mas era noite, talvez ao acordar tivesse passado. Não passou. E, quando veio a manhã, havia uma sensação nova se impondo à dor. Fôlego curto. Falta de ar.

É difícil descrever. Não tenho asma. Não é exatamente o ofegante de após uma corrida. Mas o ar falta e é evidente. Me ocorreu que pudesse ser psicossomático. Passar semanas lendo sobre uma doença e, depois, fazer um sintoma. Tudo cabeça. Só que eu não sabia que cólica estava na lista de sintomas possíveis. Nas horas seguintes, conversei por telefone e WhatsApp com médicos. Ninguém deu certeza, mas todos foram unânimes: bastante possível, e ainda assim não era o caso de eu procurar hospital. Ou de me testar.

No final da sexta-feira vieram os dois últimos sintomas que senti. Dor de cabeça e aperto no peito. Não tive tosse, não tive febre. Depois de cinco dias, ainda tenho uma forma atenuada do aperto e do fôlego curto, além de uma constante sensação que está para acabar. Quem sabe amanhã? Estou há três dias nessa.

Dá angústia. É inevitável. Nas duas semanas anteriores, fiz um bate-volta de ponte-aérea, participei de algumas reuniões em ambientes fechados, passei por um estúdio de TV, uma sala de cinema pequena, além de não sei quantas idas à academia, — e ninguém usa luvas em equipamento de ginástica. Estive com amigos, celebrei. Onde terá sido? Foi tudo antes de o governador Wilson Witzel decretar a suspensão de escolas. A angústia só aumenta porque não há certeza. Não fiz o teste e, na verdade, não há motivos para gastar teste com quem tem sintomas leves. Não na situação em que o Brasil está.

Quatro pessoas muito próximas tiveram sintomas naqueles dias. Uma teve a mesma cólica, e calafrios. Um, tosse seca. Outro, dor de cabeça e os tais calafrios. Todos, em algum momento, o fôlego curto. Possivelmente nos contaminamos ao mesmo tempo. Não tenho qualquer motivo para ter dúvidas de que eu, assim como estas pessoas queridas, temos Covid-19. Sintomas distintos, mesma época, e todos tendo convivido. Desta forma, pegamos o novo coronavírus quando ele ainda não parecia ter chegado ao Brasil. Demos sorte. Todos com sintomas leves — um incômodo, e a obrigação da quarentena que se impõe.

Perante a constatação, tive conversas ao telefone, por videochamada, pelas redes. Ouvi muitos depoimentos — positivos sem comprovação mas com boas suspeitas pelos sintomas leves. E, às vezes, nem tão leves. Mas o vírus já está entre nós. Silencioso. Se espalhando.”

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