Saúde

Em meio ao pânico do coronavírus, estadunidenses fazem filas para comprar armas

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Diante de um sistema precário de saúde pública, essa é a reação desesperada do país que acredita que as armas representam a solução para quase todos os problemas: “Há tanta incerteza e paranoia, mas você precisa se proteger”

Fila para comprar armas em Culver City, na Califórnia

Em meio ao pânico provocado pela pandemia do coronavírus (Covid-19), americanos estão fazendo filas em estabelecimentos que vendem armas de fogo e munições. As informações são do jornal USA Today.

Militar veterano, Ralph Charette, 71 anos, morador de Germantown, Wisconsin, disse que comprou um rifle e munição no sábado para proteger a família. São 1.678 infectados nos Estados Unidos até agora.

Charette decidiu comprar a arma depois de encontrar pessoas agressivas e prateleiras vazias em supermercados locais. “Há tanta incerteza e paranoia, mas você precisa se proteger”, disse.

Segundo o jornal, a pandemia tem feito com que os americanos estoquem mantimentos e papel higiênico no caso de quarentena e muitos estão preocupados com a escassez de armas, o que está aumentando a demanda.

O USA Today relatou um aumento “exponencial” nas vendas online de suprimentos de armas desde o final de fevereiro, algo atribuído à preocupação com o coronavírus.

“As pessoas estão assustadas. Há muito pânico no mundo e as pessoas querem ser protegidas para o pior cenário”, disse Drew Plotkin, de Los Angeles.

Modelo de saúde dos EUA

Os Estados Unidos se diferenciam por serem o único país desenvolvido do mundo a não garantir serviços de saúde de qualidade aos seus cidadãos que não puderem pagar.

Baseada em um pouco regulado setor privado, com uma forte responsabilização dos indivíduos, a saúde já era antes da pandemia de coronavírus um dos principais assuntos da eleição presidencial marcada para novembro. A emergência sanitária aguça a relevância do tema, ao deixar expostas fraquezas do sistema de proteção social do país.

Fragmentação, baixo acesso, altos gastos com burocracia, contas de hospital altíssimas e a ausência de mecanismos de amparo que servem também para conter a propagação da doença estão entre os problemas da saúde nos EUA citados por especialistas.

“A primeira coisa a entender é que não há um sistema, em termos de lógica, de racionalização, de organização, de objetivo. É um modelo muito fragmentado, com muitos buracos e muita falta de organização. As pessoas têm diversos tipos de cobertura, que variam drasticamente”, afirmou Jonathan Oberlander, professor de Medicina Social da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.

“Isso realmente nos fará sofrer agora. Dezenas de milhões de pessoas não têm cobertura, e podem ter medo de ir ao hospital ou fazer testes, por causa dos custos do atendimento”, continuou.

O setor privado é o principal operador do modelo americano. Segundo definição da OCDE — o chamado clube dos países ricos — ao contrário dos outros países desenvolvidos e também do Brasil, com o SUS, a saúde nos EUA pode “ser pensada como múltiplos sistemas que operam de forma independente, com pouca coordenação e planejamento”. Cada cidadão fica responsável por cuidar de sua saúde, adquirindo planos no mercado.

Em 2018, 217 milhões de pessoas tinham planos privados nos EUA, segundo o Censo. Os dois principais programas públicos, o Medicare e o Medicaid — nos quais o governo paga o atendimento de pessoas idosas ou com deficiência e o de famílias de renda baixa em unidades privadas de saúde — cobriam 57 milhões de pessoas cada, e outras 27 milhões não tinham cobertura.

Os percentuais de pessoas sem nenhum tipo de proteção diminuíram a partir de 2010, quando o chamado “Obamacare” expandiu o acesso ao Medicaid e a planos privados, mas voltou a subir a partir de 2015. No mesmo período, cresceu também o índice de “subsegurados” — pessoas com planos de saúde ruins, com franquias elevadas que impossibilitam o atendimento adequado.

Quase um terço do total de segurados utiliza estes planos, que expõem também seus usuários a uma política de preços notoriamente pouco transparente. Isso leva o total de pessoas vulneráveis a quase 90 milhões.