Saúde

Coronavírus: estudo internacional aponta que 478 mil brasileiros podem morrer

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Pesquisadores de uma das mais renomadas universidades do mundo publicaram neste domingo um estudo calculando e comparando as prováveis mortes pelo novo coronavírus no Brasil e na Nigéria. Os dados são alarmantes

Contrariando protocolos da OMS e até do seu ministro da Saúde, Bolsonaro cumprimenta manifestantes em Brasília neste domingo (15) – Sergio Lima/AFP

Tatiana Dias, Leandro Demori, Bruna de Lara, Alexandre de Santi (The Intercept)

Pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, publicaram neste domingo um estudo preliminar calculando e comparando as prováveis mortes pelo novo coronavírus no Brasil e na Nigéria. Aqui, de acordo com a projeção, deve haver até 478 mil mortes. Trata-se de um preprint, ou seja, um estudo que ainda não foi revisado por outros pesquisadores, nem validado por uma publicação científica, mas que é antecipado para acelerar a circulação de informações de interesse público em emergências – exatamente como a crise que estamos vivendo.

“Esse processo de peer review [revisão por colega] leva meses, então acaba retardando o processo de disseminação da informação”, explicou Jadel Kratz, gestor de pesquisa na Drugs for Neglected Diseases initiative, uma ONG que pesquisa medicamentos e vacinas para doenças negligenciadas pela indústria farmacêutica por não darem lucro.

Como se trata de um estudo preliminar, ele ainda será discutido pela comunidade científica nos próximos dias. É possível que os autores decidam fazer correções na sua versão final. Por isso, é necessário olhar para os números com cautela.

Para chegar aos números, os pesquisadores analisaram a proporção entre jovens e idosos da população de vários países. O novo coronavírus é particularmente fatal para a população mais velha. Para entender o padrão de mortalidade da doença, os cientistas analisaram dados da Itália, onde 1.809 pessoas já morreram, e da Coreia do Sul, que, apesar de ser a nação mais afetada do mundo, com mais de 7.700 casos, teve apenas 60 mortes.

A população dos dois países é parecida em números absolutos, mas diferente em estrutura demográfica: a Coreia tem mais jovens, e a Itália, mais velhos. Analisando os padrões de letalidade da doença, os pesquisadores projetaram seus efeitos nos países que ainda não chegaram ao pico dramático da pandemia – caso do Brasil.

Aqui, 2% da população têm mais de 80 anos. Embora qualquer pessoa a partir de 60 anos já seja considerada vulnerável, é esse o grupo que corre maior risco de vida com a Covid-19, a doença provocada pela nova variedade do coronavírus, que começou a se espalhar na China e já contaminou mais de 160 mil pessoas no mundo e matou outras 6 mil. Analisando a taxa de mortalidade da doença em diferentes idades e fazendo as projeções para cada população, os pesquisadores chegaram ao cenário de possíveis 478.629 mortos no Brasil, número maior que o da Nigéria, que tem uma população mais jovem.

A pesquisa parte do princípio de que 40% da população de cada país será infectada pelo novo coronavírus. A porcentagem é baseada em uma outra pesquisa, da Universidade de Harvard, nos EUA, que afirma que a proporção de contaminados em escala global será de 40% a 70%. É uma premissa razoável, considerando que especialistas indicam que a Alemanha, com pouco mais de um terço do número de contaminados na Itália, atual epicentro da pandemia, terá até 70% de seus habitantes infectados.

“Hipóteses podem ser ajustadas, mas a forte relação entre a estrutura demográfica de uma população e o número de mortes se mantém”, escreveu uma das autoras da projeção, Jennifer Dowd. “Isso deve afetar a intensidade necessária das medidas tomadas em uma população para reduzir o número de casos mais críticos e a sobrecarga do sistema de saúde”.

Numa troca de e-mails com o Intercept, Dowd explicou que a pesquisa não estima em quanto tempo esse número seria atingido. “É óbvio que medidas de contenção podem reduzir esse número, mas escolhemos [usá-lo] como uma ilustração do que é possível”, escreveu a pesquisadora de Oxford, especialista em demografia e saúde populacional. Dowd nos explicou que o estudo não têm condições de projetar qual seria a redução de mortes caso o governo tome medidas intensas, como o isolamento compulsório da população.

O que fazer?

Segundo a pesquisa de Oxford, evitar o contato com outras pessoas e colocar em prática políticas públicas para retardar a transmissão são maneiras eficazes de frear o mais perverso efeito da Covid-19: a enxurrada de casos graves simultâneos que sobrecarrega o sistema de saúde e faz com que parte dos pacientes graves fique sem atendimento. É o que vem acontecendo na Itália, onde médicos têm de escolher quais pacientes vão tratar.

Os pesquisadores dizem que, quanto maior a quantidade de idosos na população, mais drásticas terão de ser as medidas adotadas por cada país. E que elas devem levar em consideração o impacto sobre a população mais sensível ao vírus. O fechamento indiscriminado de escolas, por exemplo, pode colocar crianças – um grupo com alto índice de transmissão, mas pouco perigo de mortalidade – em contato próximo com os avós, o grupo em maior risco.

Segundo Jenn Dowd, altos níveis de contato entre pessoas de gerações diferentes aumentam os riscos de letalidade – e é por isso que políticas que restringem a circulação são eficazes. Veja, por exemplo, a diferença no impacto da doença em duas cidades italianas. A prefeitura de Lodi restringiu a circulação de seus moradores nos primeiros dias da epidemia, em 23 de fevereiro. Bérgamo, em compensação, levou mais duas semanas para fazer isso. Resultado: Bergamo contava cerca de 2.300 casos até a última sexta-feira, 13 de março – quase o dobro de Lodi.

É por isso que o negacionismo de Bolsonaro diante dos perigos do coronavírus é catastrófico. Enquanto o mundo inteiro colocava em prática medidas de contenção da pandemia – como checagem da temperatura de passageiros em aeroportoscancelamento de voosfechamento de fronteirasbares e restaurantes e proibição de aglomerações de até mesmo 15 pessoas –, o presidente incentivou que seus apoiadores fossem às ruas de todo o país no domingo em apoio ao seu governo e ao fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Ainda mais grave, Bolsonaro resolveu marcar presença e, durante uma hora, fez contato com ao menos 272 pessoas – várias delas, idosas. Ele próprio deveria estar em isolamento depois de fazer dois exames  que deram negativo. Ele ainda fará um novo teste no final desta semana. Em viagem recente para os Estados Unidos, o presidente esteve próximo de pelo menos 12 pessoas infectadas. Mas, contrariando todas as orientações do Ministério da Saúde, Bolsonaro decidiu pausar seu isolamento e sair sem máscara ou qualquer forma de proteção para  apertar a mão de simpatizantes e ficar de rosto colado com manifestantes tirando selfies.

A falta de ação do governo federal e a irresponsabilidade pessoal de Bolsonaro vão causar mortes por Covid-19 que poderiam ser evitadas. Com um presidente incapaz de agir e se portar com a serenidade necessárias num momento de crise grave, uma projeção baseada nos piores cenários possíveis, ainda que careça de estudos complementares, deve ser lida com atenção. Afinal, parece que o presidente está fazendo de tudo para que ela se torne realidade.