"Estamos em uma guerra por desatenção. A Itália, governada pelo sistema financeiro, descuidou de seu sistema de saúde. Governo que despreza a saúde, despreza seu povo". Do epicentro do coronavírus, jornalista italiana escreve carta aberta ao povo brasileiro. Leia a íntegra
Queridos irmãos brasileiros,
Devemos nos proteger, nos defender. Devemos ficar em casa.
Falo em voz alta e com o coração aberto. Com todo o amor que me une ao Brasil e a toda a América do Sul.
Na Itália, talvez, poderíamos ter nos defendido melhor. Só hoje, 18 de março, a Europa percebe que tem de fechar as fronteiras, suspender o serviço escolar. Quinze dias depois, Itália. E a Itália também é culpada pelo atraso!
Os primeiros casos ocorreram em meados de fevereiro, na região da Lombardia, onde está Milão. Em menos de um mês, o Covid-19 espalhou-se pela península italiana. Outro grande erro: não fechar a região depois de duplicar o número de casos hora após hora.
Também não é momento para guerras entre partidos e a disputa eleitoral. Antes do decreto oficial do governo, muitos habitantes da região da Lombardia – (especialmente) imigrantes do Sul que trabalham e vivem no Norte – deixaram a região e voltaram para a casa de suas famílias. Pessoas infectadas, casos positivos. De Norte a Sul, o Covid-19 viajou sem restrições. Irresponsável! Egoísta!
O sistema de saúde está em colapso, embora a Itália tenha instalações e pessoal médico em níveis humanos e profissionais elevados. Mas, infelizmente, o Estado deixou para a última hora para investir no fortalecimento do sistema nacional de saúde. Em tempos de paz, os médicos e todo o pessoal são obrigados a horas de trabalho indignas e a salários vergonhosos.
A Itália, um país democrático e civilizado do Ocidente, daquela Europa que depois da Segunda Guerra Mundial representou um sonho de paz, mas que se torna cada vez mais um projeto bancário realizado a qualquer custo.
Temos esperança
Hoje, na Itália, há cerca de 32 mil pessoas infectadas com Sars-cov-2, o novo coronavírus, classificado provisoriamente sob este nome pelo Grupo de Estudo Coronavírus (CSG) do Comitê Internacional para Taxonomia de Vírus, responsável pelos casos Covid-19. Dos infectados, 2.941 até ontem (17) foram curados. Mas 2.503 estão mortos.
Depois da China, a Itália tem o maior número de infecções. Proporcionalmente, considerando o número de habitantes na Itália (60,5 milhões) o número de casos positivos e mortes é muito alto.
Por várias razões: porque as medidas restritivas chegaram demasiado tarde, porque muitos setores econômicos ainda estão em movimento, porque as regras não estão sendo respeitadas por todos.
Na China, não. A República Popular da China parou por 48 dias.
Os chineses ficaram um mês e meio fechados em casa. Enquanto na Itália, as pessoas cantam, tocam., jogam, ficam juntas das varandas. É uma coisa maravilhosa! Os italianos têm otimismo no sangue. A Itália é o Sul da Europa, e os povos do Sul sempre sorriem, apesar de tudo.
O decreto do presidente do Conselho de Ministros de 8 de março de 2020 declarou a Itália uma zona vermelha. Nenhuma entrada ou saída do país até 3 de abril. Quarentena obrigatória para todos. Você deixa a casa só para fazer as compras, um por família e preenchimento de uma autocertificação.
Você não pode sair do seu município de residência. Você não pode sair de sua casa por qualquer motivo. Todos os negócios estão fechados. Com exceção dos supermercados, farmácias, lojas que vendem bens essenciais.
Os contatos aumentam, as mortes aumentam, à medida que a cura aumenta. Mas é o despertar de um grande êxodo do Norte para o Sul do país. E, infelizmente, uma trilha também produzida por aqueles que ainda se movem sem algo que o justifique.
O Covid-19 pode ser curado? Sim. Organismos vivos saudáveis estão mostrando que, embora grave, a síndrome respiratória aguda pode ser tratada com Tocilizumab. O medicamento usado para tratar a artrite reumatoide está se mostrando eficaz no tratamento de pneumonia intersticial. Claro, tudo sob rigoroso acompanhamento médico.
A boa notícia é relatada pelo professor Paolo Ascierto, presidente da Fundação Melanoma e diretor da Unidade Oncológica de Melanoma, setor de imunoterapia contra câncer e terapias inovadoras do Instituto de Câncer Pascale, de Nápoles. Juntamente com o Hospital Cotugno, centro regional de referência em emergências de coronavírus e especializado em doenças infecciosas, ele usou o medicamento Tocilizumab no tratamento dos primeiros pacientes na Itália com Covid-19.
Temos esperança! Se ao menos ficarmos em casa, protegemos a nós mesmos e aos outros. E à nossa Mãe Terra com seus equilíbrios delicados e precisos.
*Valentina Barile é jornalista e autora do livro #MineViandanti, com relatos de experiências comunitárias, ambientais e geopolíticas dos locais por onde viaja. E está em casa