Além do MBL e Antagonista, filho do presidente Bolsonaro e atual ministro da Educação fazem ataques rasteiros ao médico Drauzio Varella e pedem boicote à Globo
Na noite deste domingo (9), o nome “Suzy” se tornou um dos assuntos mais comentados do Twitter. O fato ocorreu após o MBL (Movimento Brasil Livre) divulgar que ela cometeu um crime hediondo contra uma criança de 9 anos — estupro, homicídio e ocultação de cadáver. Outros que reproduziram a informação foram o site ‘O Antagonista’ e a deputada Janaina Paschoal (PSL-SP).
Suzy é uma detenta trans que foi abraçada por Drauzio Varella durante reportagem exibida no Fantástico, da TV Globo. O médico passou a ser execrado nas redes desde a divulgação da ficha corrida da presidiária.
Até o ministro da educação, Abraham Weintraub, entrou na onda. Segundo o ministro, Drauzio e a Globo não têm empatia ou compaixão com as crianças e famílias. “Antes que eu esqueça: desejo que vocês terminem no inferno!”, afirmou o integrante do governo de Jair Bolsonaro.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi às redes sociais pedir boicote à TV Globo. “Nossa! Passada de pano 1.000°! Os caras do PT, PSOL e cia. têm que aprender com a GRobo!”, escreveu Eduardo no Twitter.
O filho do presidente divulgou um vídeo acompanhado da seguinte legenda: “Entenda o caso do travesti Susy e como funciona a estratégia da Globo”. No vídeo, que mostra a reportagem do Fantástico com Varella, há legendas que chamam a transexualidade de “teoria” que foi “vitimada” propositalmente durante o programa.
Drauzio divulgou um comunicado no qual afirma que há 30 anos frequenta penitenciárias para tratar da saúde de detentos e que não pergunta o que seus pacientes possam ter feito de errado.
“Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico”. O médico afirma que segue os mesmos princípios em seu trabalho televisivo, e que não perguntou para nenhuma das entrevistadas sobre os delitos cometidos.
Em seu blog, a médica Júlia Rocha comentou o episódio. Leia:
Por que a internet massacra Drauzio e aplaude Bruno?
Há pouco mais de uma semana, o médico Drauzio Varella entrevistou uma detenta de nome Suzy num presídio da cidade de Guarulhos. A entrevista era parte de uma matéria sobre as vivências de mulheres trans em presídios masculinos. Num momento da entrevista, Drauzio, conhecedor das mazelas do sistema carcerário brasileiro por ter dedicado anos da sua vida profissional a cuidar de pessoas encarceradas, oferece a esta mulher um abraço.
Um parêntese: isso diz sobre Drauzio. O que veio depois fala sobre o que somos.
Nenhum médico em sã consciência, ao se colocar diante de alguém em situação de encarceramento ou com familiar encarcerado pergunta a esta pessoa qual foi o crime que ela cometeu. Drauzio estava ali como um médico. Ele não é repórter. É cientista. Estava a documentar as vivências destas mulheres. Não cabia a ele interrogar ou investigar. Isso nos compromete o julgamento como profissionais de saúde.
Imagine receber uma mulher em intenso sofrimento, carregada por familiares, chorando por que seu filho foi preso e perguntá-la o que foi que ele fez. Acaso a resposta vai interferir no cuidado que vamos prestar a ela? Há um crime aceitável e outro inaceitável para a prática médica? E é por esta régua que eu vou medir o tanto de humanidade que vou devotar àquela mulher durante o atendimento? Se seu filho matou uma criança, ela se torna menos merecedora da minha humanidade e da minha habilidade como profissional?
E se o próprio criminoso me procura buscando ajuda, devo eu questioná-lo para saber se o crime que o fez estar ali está na minha lista dos que merecem ser relevados?
Especulou-se, após a publicação da matéria, que a detenta teria sido autora de um crime bárbaro contra uma criança. Estuprado, torturado, matado. Compartilho sinceramente da dor imensa desta família. Aliás, não consigo imaginar a tragédia sem medidas que é viver um momento como esse, mas, ainda assim, acho importante ir em busca de outra reflexão.
Há dez anos, um homem e seus amigos mataram, esquartejaram e deram aos cachorros o corpo de uma mulher que inclusive era mãe de seu filho. Recentemente este homem frequentou as manchetes dos jornais anunciando sua volta ao futebol. Que sintomático, não? Para este ex-atleta, comprovadamente feminicida, devotamos admiração e muitos pedidos de selfies.
Afinal, qual a diferença entre Bruno e Suzy? Drauzio não sabia de seu crime ao abraçá-la, mas e se soubesse? Os homens e mulheres que frequentemente se espremem pedindo por uma foto com Bruno sabiam. Seria nossa transfobia maior que a nossa capacidade de se compadecer com a dor de uma mãe que perde a filha assassinada? Nossa sede de vingança e revanchismo diante do crime de Suzy não nos moveu para buscar justiça por Elisa Samúdio, sua mãe e seu filho? Ou será que, no fundo, achamos que, diferentemente da vítima de Suzy, Elisa mereceu morrer?
Não se aplaude, não se glamoriza, nem se minimiza nenhum crime. Nem os cometidos contra mulheres. Suzy, sendo ela quem for, não muda a realidade de vulnerabilidade extrema da população trans brasileira. Mulheres trans têm expectativa de vida que é a metade da população geral. Extrapole Suzy. Ela está a cumprir sua pena. Até que ponto nossa revolta é reflexo de um desejo de justiça ou é tradução do ódio que agora direcionamos a ela. Queremos matá-la? Por que apontamos para Suzy e poupamos Bruno?
Será que, no fundo, estamos buscando meios de atacar uma luta maior? Uma luta de milhões de mulheres por direitos? Uma luta feminista, antipunitivista? Precisamos destituir Suzy de qualquer humanidade para, enfim, deslegitimar tudo que uma mulher trans e negra representa?
Será?