É possível que agora, depois de sua morte, acabemos conhecendo mais mistérios das estranhas relações de Adriano, chefe das milícias, com os políticos que o condecoraram em vida
Juan Arias, ElPaís
Como aconteceu com a execução da ativista negra Marielle Franco nas mãos das milícias do Rio de Janeiro, que morta acabou sendo mais perigosa para a família Bolsonaro do que viva, o mesmo começa a acontecer agora com a execução, como queima de arquivo, do chefe das milícias, Adriano da Nóbrega, suspeito de estar envolvido no assassinato da vereadora carioca.
Para usar a linguagem da violência que o Governo do presidente Bolsonaro tanto aprecia, o tiro poderia acabar saindo pela culatra. Ou melhor, já está saindo. Poucos dias depois de sua morte violenta já se está falando e investigando sobre ele mais do que quando estava vivo e fugitivo.
O senador Flavio Bolsonaro, que negava ter tido relações estreitas com o miliciano, agora viu aparecerem mais notícias sobre suas relações pessoais com ele durante anos, a ponto de termos acabado de saber que foi visitá-lo várias vezes na prisão quando estava preso acusado de homicídio, segundo o jornal O Globo. E até a importante condecoração que o hoje senador concede na ocasião a Nóbrega, ele mesmo foi entregá-la na prisão. E também sabemos que seu pai, o hoje presidente, fez elogios públicos ao miliciano, apresentando-o como herói.
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Se a execução da jovem Marielle Franco fez com que ela se tornasse muito mais perigosa morta do que viva para a família Bolsonaro, que não pode mais matá-la, mas continua perseguindo-os morta como um pesadelo, o mesmo poderia acontecer agora com o miliciano. Se a ideia era fazê-lo desaparecer para que levasse ao túmulo os muitos segredos que mantinha e que assustavam, agora é possível que tudo isso venha à luz do dia com sua morte.
Marielle e Adriano, dois executados que estão se mostrando muito mais perigosos de seus túmulos do que quando falavam e agiam vivos. São as ironias do destino que sempre se cruzaram na história e são terríveis paradoxos.
Continuamos sem saber qual ou quais foram os mandantes do assassinato de Marielle, mas desde a morte dela as suspeitas se adensaram como nuvens perigosas. De Adriano se sabe quem o executou, mas ainda não sabemos por que e a mando de quem. E essa pergunta continuará viva e ameaçadora sem que possamos ainda imaginar as consequências políticas que poderá ter.
Agora, de repente, foi revelada uma grande preocupação para mostrar que a amizade de anos da família Bolsonaro com o miliciano que talvez soubesse tudo sobre o assassinato de Marielle, para mostrar que quando eles o conheciam e condecoravam e colocavam a família dele no gabinete do então deputado do Rio, Flavio Bolsonaro, era um herói e só depois se tornou um criminoso. O que eles não conseguem explicar é o motivo de tão curiosa conversão.
A vida às vezes tem suas ironias e seus mistérios, mas quase sempre segue caminhos que não imaginamos. É bem possível que os casos de Marielle e Adriano possam um dia confirmar no Brasil essas ironias da vida, que às vezes passam por cima dos estreitos cânones políticos.
Se, como escrevi em outra coluna, a morte de Marielle acabou sendo um pesadelo para os envolvidos e que hoje, provavelmente, a prefeririam viva, também é muito possível que, neste momento, aqueles que decidiram que Adriano desaparecesse sem poder revelar seus segredos também estejam arrependidos de seu desaparecimento.
Tenha sido a família Bolsonaro que decidiu sua morte ou alguém que acreditava que morto seria mais perigoso do que vivo, não há dúvida que, se pudessem escolher aqueles comprometidos no passado com o miliciano, hoje assinariam para tê-lo vivo, já que logo depois de morrer colocou em evidência um barril de pólvora de medos e alarmou todos aqueles que temem agora que sua morte misteriosa acelere o processo de investigação de certas conivências políticas perigosas.
É bem possível que agora, depois de sua morte, acabemos conhecendo mais mistérios das estranhas relações de Adriano, chefe das milícias, com os políticos que o condecoraram em vida.
Aqueles que apostaram que Adriano, desaparecido, mas vivo, acabaria sendo esquecido sem muita vontade de interrogá-lo e que fosse apenas uma nota de pé de página da emaranhada relação de Bolsonaro com as milícias, poderiam hoje estar desesperados. O fato de sua morte inesperada, levada a cabo pensando que os mortos não falam mais, deve estar fazendo pensar aqueles que hoje o temem, que era melhor para eles que continuasse vivo como um fugitivo de ouro que se permitia dar festas de luxo nas barbas de uma polícia que talvez não tivesse a menor vontade de prendê-lo.
As execuções emblemáticas de Marielle e Adriano, tão estreitamente ligadas em um dos casos políticos mais escabrosos do presente político brasileiro, revelam que, no final, os fatos são mais tenazes do que os desejos daqueles que gostariam de sepultá-los para sempre.
Muitas vezes na história os túmulos são mais loquazes e perigosos do que as próprias vidas. E as sombras e suspeitas não esclarecidas projetadas pelas mortes violentas do submundo da política degradada em crime e violência acabam muitas vezes enterrando politicamente aqueles que preferem fazer essa política nos esgotos do crime do que na luz do sol da democracia.
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