Saúde

Na Itália, vítimas de coronavírus com mais de 80 anos serão deixadas para morrer

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Coronavírus: Na Itália, vítimas com mais de 80 anos serão deixadas para morrer. Documentos atestam que médicos italianos terão que decidir "quem vive e quem morre". Prefeito italiano afirma que precisou "abrir a igreja do cemitério para abrigar a grande quantidade de mortos"

Hospital no norte da Itália com pacientes de coronavírus (Imagem: Claudio Furlan/LaPresse via AP)

Vítimas de coronavírus na Itália terão acesso negado a tratamento intensivo caso tenham 80 anos ou mais ou sejam vítimas de graves problemas de saúde com necessidade de leito de UTI. É o que propõe um documento preparado por uma unidade de gerenciamento de crises em Turim, ao qual o jornal The Telegraph afirma ter tido acesso. Alguns pacientes que não receberem tratamento intensivo serão deixados para morrer, temem os médicos.

A unidade elaborou um protocolo, diz o The Telegraph, que determinará quais pacientes receberão tratamento em terapia intensiva e quais não, se não houver espaço nos hospitais. A capacidade de terapia intensiva está acabando na Itália, à medida que o coronavírus continua a se espalhar.

O documento foi produzido pelo departamento de proteção civil da região de Piemonte, uma das mais atingidas pela crise do coronavírus no país. Segundo o Telegraph, o texto diz que “os critérios para acesso à terapia intensiva em casos de emergência devem incluir idade inferior a 80 anos ou uma pontuação no Índice de comorbidade de Charlson (índice que aponta quantas outras condições médicas o paciente tem) menor de 5.”

Ainda segundo o jornal, o documento prevê que “o crescimento da epidemia atual torna provável que seja alcançado um ponto de desequilíbrio entre as necessidades clínicas dos pacientes com COVID-19 e a disponibilidade efetiva de recursos intensivos.

Se for impossível fornecer a todos os pacientes serviços de terapia intensiva, será necessário aplicar critérios de acesso ao tratamento, que depende dos recursos limitados disponíveis” e ainda acrescenta: “Os critérios estabelecem diretrizes se a situação se tornar de natureza excepcional, a fim de tornar as escolhas terapêuticas em cada caso dependentes da disponibilidade de recursos, forçando os hospitais a se concentrarem nos casos em que a relação de custo/benefício é mais favorável para o tratamento clínico”.

Luigi Icardi, conselheiro de saúde em Piemonte, deu ao tabloide britânico a seguinte declaração: “Eu nunca quis ver esse momento. O documento será vinculativo e estabelecerá, no caso de saturação das enfermarias, um código de precedência para o acesso à terapia intensiva, com base em certos parâmetros, como a sobrevivência potencial”.

Nas palavras do The Telegraph, o documento já estaria completo e é necessária apenas a aprovação de um comitê técnico-científico antes de ser enviado aos hospitais. Os critérios devem ser aplicados a toda a Itália, disseram fontes do governo ao jornal.

O perfil da maior parte dos mortos relacionados ao novo coronavírus na Itália, segundo país mais afetado até agora pela pandemia, se assemelha aos da China, epicentro do novo vírus. Na Itália, contudo, diante da população idosa proporcionalmente maior, a taxa de mortalidade da doença causada pelo vírus, a covid-19, chegou nesta segunda-feira (16/03) a 7,7%, enquanto o índice chinês médio é de 2,3%.

A Itália possui 5.090 leitos de terapia intensiva, que atualmente superam o número de pacientes que precisam deles. Também está trabalhando para criar uma nova capacidade de leitos em clínicas particulares, lares de idosos e até em tendas. No entanto, o país também precisa de mais médicos e enfermeiros.

A Lombardia continua sendo a região mais crítica. No entanto, a situação também é grave em Piemonte onde em apenas um dia, foram registrados 180 novos casos e 27 mortes. A tendência sugere que a situação não está prestes a melhorar.

Roberto Testi, presidente do comitê técnico-científico de coronavírus de Piemonte, disse ao The Telegraph: “Aqui em Piemonte, pretendemos adiar o máximo possível o uso desses critérios. No momento, ainda existem locais de terapia intensiva disponíveis e estamos trabalhando para criar mais. Queremos chegar o mais tarde possível ao ponto em que temos que decidir quem vive e quem morre”.

Igreja do cemitério

“Chegamos ao limite”. É assim que Giorgio Gori, o prefeito de Bergamo, resume as últimas semanas na cidade de 122 mil habitantes no norte da Itália, a cerca de 60 km de Milão.

Os médicos no hospital Giovanni XXIII, o maior da cidade, também chegaram a um limite. Eles colocam até sete pacientes por dia em ventilação mecânica e descansam, em média, um dia a cada duas semanas. Somente nesta província, mais de 50 médicos já foram infectados desde o início da pandemia.

Um vídeo que está circulando nas redes sociais mostra como, no jornal local, as páginas dedicadas a obituários passaram de três, no dia 9 de fevereiro, a 11, no dia 13 de março.

Gori, prefeito da cidade há seis anos, lamenta que os políticos —”inclusive eu”— tenham subestimado, a princípio, a gravidade da situação.

Essa atitude, aliada a um surto de coronavírus em um hospital da região, não identificado corretamente entre dezembro e janeiro, contribuiu para que a epidemia crescesse rapidamente.

Agora, Gori se diz surpreso que, depois da experiência italiana, outros governos europeus tenham demorado tanto para tomar medidas de contenção.

“Tivemos que fechar o cemitério da cidade para proteger as pessoas mais velhas que estavam indo visitar seus entes queridos que morreram nas últimas semanas. Por outro lado, precisamos abrir o necrotério e a igreja do cemitério para abrigar a grande quantidade de cadáveres que se acumulou. Precisamos, inclusive, pedir ajuda a outras cidades para que nos deixassem usar seus fornos crematórios, porque os nossos não são mais suficientes”, confessou o prefeito.

informações do The Telegraph