Saúde

O mistério do excesso de corpos em uma funerária de Minas Gerais

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Minas investiga excesso de cadáveres em funerária e cogita exumação para testar coronavírus. Em comunicado, governo admite que dezenas de corpos estão sendo enterrados sem que se saiba se a morte se deu por causa da nova doença.

(Foto: Alexandre Guzanshe/Estado de Minas/)

O governo de Minas Gerais investiga a chegada de 41 cadáveres, em um intervalo de 48 horas, numa funerária do bairro de Nova Gameleira, em Belo Horizonte. Segundo boletim de ocorrência da Polícia Militar mineira, os laudos das mortes apontam causas de insuficiência respiratória aguda, pneumonia e covid-19.

Até a última sexta-feira (27), o governo ainda não havia confirmado nenhuma morte por coronavírus. Até as 16h desta terça-feira (31), há apenas duas mortes confirmadas por covid-19 no estado e 275 casos confirmados.

O governo de Minas Gerais admite que corpos estão sendo enterrados no Estado sem que se saiba se a morte se deu por causa da nova doença. O diagnóstico do coronavírus depende de exames laboratoriais “realizados em vida, e não de necropsia”, afirma a secretaria de Saúde. “Após o término da contingência epidemiológica, caso a autoridade policial entenda ser necessária, a exumação do corpo a poderá ser realizada”, diz.

Entenda o caso

No dia 22 de março, a Polícia Militar mineira recebeu uma denúncia anônima, em que um morador relatava a existência de corpos acumulados em uma funerária da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Ao chegar ao local, a equipe do 5º Batalhão se deparou com o gerente da funerária, que narrou que, entre os dias 20 e 22 deste mês, 73 cadáveres haviam chegado à funerária com laudos da causa da morte parecidos: pneumonia ou insuficiência respiratória.

Pelo menos um dos laudos, segundo a PM, apontava a causa da morte como coronavírus. O corpo era oriundo da cidade de Betim. O governo de Minas Gerais, apesar de admitir que investiga os casos, continuou afirmando, até o último sábado, 28, que nenhuma morte tinha sido confirmada no Estado por coronavírus.

A Secretaria de Estado de Saúde explicou, no entanto, que a notação de covid-19 referente a este corpo não quer dizer, necessariamente, que a causa do óbito foi por coronavírus, e sim que a morte aconteceu durante o período de pandemia.

Segundo a pasta, a confusão aconteceu porque a Polícia Civil teria orientado os médicos legistas a registrarem a descrição “morte em momento de vigência da pandemia pelo Covid19” em laudos de mortes suspeitas no Estado.

“O objetivo da anotação era justificar a não realização do exame interno, no cadáver e não significa, absolutamente, que a causa da morte foi o Covid19”, justifica o governo, que afirma ainda que alterou a descrição das causas das mortes:

“De toda forma, para evitar qualquer interpretação equivocada, alterou-se a orientação original. Não sendo possível a determinação da causa do óbito, a declaração constará, apenas, causa indeterminada e outras informações constarão no laudo de necropsia enviado à autoridade policial.”

Número de cadáveres ‘extremamente elevado’

Aos militares, o gerente da funerária do bairro Nova Gameleira disse que o volume de cadáveres era “extremamente elevado para a rotina daquele estabelecimento”. “Em 30 anos de profissão nunca vi tantos corpos num curto intervalo de tempo”, afirmou o gerente aos policiais. Segundo o relatório de chegada de cadáveres da funerária, todos os corpos eram de falecidos com idade entre 49 e 90 anos de idade.

Por meio de nota, a secretaria de Saúde do Estado informou que “a situação mencionada está sendo avaliada e acompanhada pelos órgãos competentes”. E reafirmou que ainda não há óbitos pela doença no Estado. “Tão logo as informações sejam apuradas adequadamente daremos os devidos esclarecimentos”, disse.

O governo de Minas informou que a Polícia Civil, no último dia 21, havia orientado os médicos-legistas a priorizar, na necropsia, o exame cadavérico externo, com o objetivo de reduzir o agravamento da pandemia da covid-19, mantendo a obrigatória utilização do equipamento de proteção individual (EPI).

No Estado, há relatos de corpos acautelados em câmaras frigoríficas do IML. A secretaria de Saúde diz que se referem a “casos em processo identificação, que aguardam autorização para o enterro e não se referem à pandemia do Covid19.”

De acordo com a funerária, não houve, até o momento, comunicação de nenhum caso de covid-19 por parte dos hospitais. “Quando há caso específico de risco biológico para doença infecto contagiosa como a covid-19, a recomendação das autoridades de vigilância sanitária é de não se fazer a tanatopraxia, ou seja, o corpo deve ser levado ao laboratório, onde é colocado na urna. A mesma deve ser lacrada e enviada diretamente para sepultamento”.

Hospitais e funerárias apreensivos

A despeito do mistério do caso da funerária de Nova Gameleira, hospitais e outras funerárias de Belo Horizonte sentem a multiplicação dos infectados pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). Num universo de quase 30 mil casos de mineiros suspeitos de estar com a COVID-19, há mortes que ainda poderão ser confirmadas e um fluxo ininterrupto de pacientes.

Nesta segunda-feira (30), no dia em que o primeiro óbito pela doença foi confirmado em Minas, a rede Santa Casa informou já ter enterrado 16 pessoas com suspeita de terem morrido pela COVID-19.

A atenção com a transmissão do novo coronavírus não termina depois que os médicos perdem a batalha contra a infecção e o paciente sucumbe. De acordo os procedimentos definidos pelas autoridades de saúde, tanto doentes confirmados quanto casos suspeitos precisam ser desentubados completamente no hospital e seus corpos são fechados no interior de dois sacos impermeáveis, seguindo diretamente para os necrotérios das funerárias.

“Todos os velórios precisam ser feitos de forma segura. Não podem durar mais do que duas horas e a lotação máxima é de 10 pessoas, podendo haver revezamento”, afirma o coordenador administrativo da Funerária Santa Casa, Anselmo Nunes.

Tanto no transporte quanto no manuseio dos corpos a equipe tem de estar completamente paramentada com gorros, óculos, máscaras, aventais e luvas. Mesmo sendo a caixão fechado, o morto não pode ser retirado de dentro do saco duplo. Com isso, a probabilidade de contaminação é muito pequena”, afirma.

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