O tio bêbado
Bolsonaro devia ser o exemplo, principalmente por ser o Presidente. Mas, não bastasse, por estar no grupo de risco, ter tido contato direto com pessoas que contraíram o vírus e por ele próprio ter tido suspeita de estar.
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Tecnicamente falando, Jair Bolsonaro foi só mais um senhor estúpido que engrossou a trupe de milhares (ou eram centenas?) de irresponsáveis que foram no dia 15 último à sede do governo democraticamente pedir o fim da democracia.
Como ele, provavelmente outras pessoas que lá estavam pedindo o fechamento do Congresso, cuja maioria dos parlamentares compactua com a mesma ideologia deles e com os votos deles foram eleitos, também tinham suspeita do famigerado Coronavírus.
Ocorre que Bolsonaro devia ser o exemplo. Principalmente por ser o Presidente. Mas, não bastasse, por estar no grupo de risco, ter tido contato direto com pessoas que contraíram o vírus e por ele próprio ter tido suspeita de estar.
É como venho dizendo: elegemos o tio bêbado e bonachão do churrasco de domingo para presidente. Sejamos francos, até rimos dalgumas piadas sem graça que o tio faz. O problema é quando o discurso ignorante vira prática. O problema é quando os sobrinhos adolescentes têm o tio como referência, herói, mito. O problema é quando o tio resolve provar na prática que, quando bebe, dirige melhor.
O tio, o senso comum, ignora a ciência. O pensamento mediano/medíocre se baseia tão somente no empirismo. Não seria de todo ruim, se o poder de observação desses adeptos não fosse dum raio menor do que o recomendado de distância entre as pessoas para evitar contágio. Não raro, a observação não passa do próprio umbigo.
Quando do início da epidemia, ainda lá na China, de pronto me preocupei. Um governo(?) que não consegue aplicar o ENEM sem erros básicos terá condições de lidar com uma epidemia de grande poder de propagação? Diz-se que se espalha mais rápido do que a ideia do terraplanismo. Ou de que há um vigoroso combate à corrupção no Brasil.
Mas mordi parcialmente a língua (dentro da boca, pra não voar gotículas talvez infectadas de saliva). O Ministério da Saúde, cujo ministro é um dos poucos integrantes do governo(?) à altura e competência do cargo, parece estar (ou tentando isso) conduzindo as ações com ponderação, prudência, razoabilidade e mesmo sensibilidade.
Bolsonaro, no entanto, parece não ser adepto da responsabilidade. De sensibilidade nem falo. Contraria instruções do seu ministério e da OMS. É o tio que incentiva os seus sobrinhos adolescentes, que o idolatram, a cometerem algumas infrações, pois a autoridade dos pais instruindo o contrário seria um exagero.
Quem pode cessar a cerveja do tio e avisá-lo que a festa acabou e que os adolescentes precisam voltar pra aula?
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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