Gabinete do ódio promove ação orquestrada contra governador da Paraíba
Gabinete do ódio promove ação orquestrada contra governador da Paraíba. Por trás dos ataques está o interesse em deslegitimar medidas adotadas pela gestão estadual no combate ao coronavírus e encorajar as pessoas a desistirem do isolamento social
Vídeos, imagens e textos contra governadores de estado foram disseminados de maneira consistente nos últimos dias e alcançaram milhões de pessoas no WhatsApp. A origem e o teor das publicações indicam uma ação orquestrada pelo gabinete do ódio — grupo gerenciado pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Por trás dos ataques está o interesse em encorajar as pessoas a desistirem do isolamento social. O fim da quarentena no país é um desejo pessoal do presidente da República, que contraria até mesmo as recomendações do seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM).
Um dos principais alvos das fake news é o governador da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania). Não por acaso: o estado foi pioneiro na adoção das medidas de isolamento para conter a expansão do coronavírus. Até a tarde deste sábado (4), a Paraíba permanece com um número considerado baixo de infectados pela covid-19 — são 32 casos confirmados em 18 dias. Mesmo estados com populações menores apresentam mais casos.
Nas últimas horas, os paraibanos estão sendo bombardeados com a notícia de que João Azevêdo teria recebido R$ 11 milhões de Jair Bolsonaro para ações contra o coronavírus, mas utilizou o dinheiro para contratar artistas e empresas de publicidade “ao invés de comprar respiradores para UTIs”. A notícia surgiu nos sites ‘O Alerta’ — página especializada em destruir reputações de quem se opõe ao governo Bolsonaro — e Bombeiros do Distrito Federal
A Agência Lupa desmentiu a informação na noite desta sexta-feira (3). “A informação é falsa. O governo da Paraíba não utilizou verba emergencial para contratar artistas. Em março, o estado recebeu R$ 11.605.736,52 do Ministério da Saúde para ações de enfrentamento à Covid-19. A Comissão Intergestores Bipartite da Paraíba, órgão que reúne representantes das secretarias estadual e municipais de saúde, destinou R$ 210 mil do montante total à secretaria estadual e distribuiu o restante (R$ 11,4 milhões) aos 223 municípios [ver aqui]. De acordo com a declaração da comissão, a verba deve ser utilizada para ‘aquisição de insumos a fim de garantir atendimento nas Unidades de Saúde que estão atuando no enfrentamento da pandemia’ de Covid-19″, verificou a agência de checagem.
Outra corrente de WhatsApp afirma que o governo da Paraíba aumentou a verba de publicidade neste período de pandemia e um texto indica que o governador tem promovido aglomerações sociais na Granja Santana, a residência oficial dos governadores. Essas informações também foram desmentidas.
Como na guerra da desinformação a verdade quase sempre é coadjuvante, é provável que o desmentido não tenha o mesmo alcance do boato. Carlos Bolsonaro usou seus próprios perfis nas redes sociais para garantir que a mentira prevaleça, espalhando a falácia contra o governo da Paraíba para milhões de pessoas.
A propagação
De acordo com denúncias, mensagens e capturas de telas as quais Pragmatismo Político teve acesso, um grande disseminador das fake news na Paraíba é o deputado estadual Wallber Virgolino, que é delegado de polícia. Curiosamente, enquanto utiliza o WhatsApp para encorajar o povo a ir às ruas, ele refugiou-se com a família em um condomínio de luxo na cidade de Bananeiras (PB) e permanece em quarentena restrita.
Apoiador incondicional do atual governo federal, Wallber é uma espécie de expoente do bolsonarismo na Paraíba. No dia 25 de março, um dia após o primeiro pronunciamento de Jair Bolsonaro sobre o coronavírus em rede nacional, o parlamentar foi uma das poucas figuras públicas a defender a fala do chefe do executivo federal.
Integrante da bancada da bala, Wallber rebelou-se no ano passado após a Assembleia Legislativa da Paraíba reiterar a proibição a parlamentares de portarem arma de fogo no plenário. Na ocasião, um decreto de Jair Bolsonaro permitiu que deputados estaduais pudessem andar armados sem que seja necessário justificar a necessidade, mas a ALPB fez valer o regimento interno da casa e manteve a proibição.
Gabinete do ódio
O início das fake news contra os governadores coincide com a chegada de Carlos Bolsonaro no Palácio do Planalto. O filho do presidente mudou-se recentemente do Rio de Janeiro para Brasília e está instalado em uma sala ao lado da do pai. Interlocutores do governo garantem que Carlos assumiu interinamente a comunicação do Planalto.
O chamado “gabinete do ódio” é composto pelo núcleo ideológico do governo — um grupo que incentiva Jair Bolsonaro a adotar um estilo mais beligerante na crise do coronavírus. Além de Carlos Bolsonaro, as diretrizes do gabinete do ódio são pautadas por Olavo de Carvalho. O escritor afirmou, há pouco tempo, que não há nenhuma morte comprovada no mundo decorrente do coronavírus e insiste na tecla de que a pandemia não passa de uma conspiração comunista da China para provocar um colapso global.
Defensores da pauta de costumes e de uma estratégia de guerra, integrantes do gabinete do ódio trabalham no terceiro andar do Planalto, a poucos metros de Bolsonaro. Produzem “artilharia pesada” para mídias digitais, além de conteúdos para discursos do presidente. Além dos governadores, seus alvos preferenciais são o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a imprensa.
Desde o início do governo, o gabinete do ódio vive em confronto com a chamada ala militar. Em um exemplo recente e ilustrativo da divergência de condutas, o pronunciamento de Jair Bolsonaro de 24 de março, quando desdenhou do coronavírus em rede nacional, foi escrito pelo núcleo ideológico. O discurso de 31 de março, por sua vez, claramente mais moderado e conciliador, teve o dedo dos generais Luiz Eduardo Ramos, Braga Netto e o secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha.
Governadores reagem
Na Paraíba, o governo sancionou uma lei que estabelece multa para quem divulgar notícias falsas em meios eletrônicos sobre epidemias, endemias e pandemias. A lei estabelece um valor de R$ 1 mil até R$ 10 mil para os propagadores de fake news. Conforme o texto, a multa estabelecida será revertida para o apoio do tratamento de epidemias no estado.
Segundo o Estadão, além de João Azevêdo, outros governadores estão se empenhando em rastrear e desmentir as notícias falsas. No Pará, três inquéritos já foram abertos para apurar as fake news. Em São Paulo, João Doria (PSDB) fez uma nova queixa-crime à Polícia Civil contra um perfil intitulado “robô conservador” por crimes de injúria e infração de medida sanitária.
Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, também se pronunciou: “Nesta crise terrível, infelizmente, essa quadrilha, esse gabinete do ódio, que atua espalhando fake news, resolveu intensamente se voltar contra os governadores. Só servem para atrapalhar, com seus crimes e delírios”.
Ainda de acordo com o jornal, estão sendo poupados pelo gabinete do ódio apenas os governadores vistos como “menos combativos” — isto é, aqueles pouco inteirados do propósito de assegurar as ações restritivas contra o coronavírus.
Os robôs e as fake news
Um estudo científico realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP) mapeou que robôs foram responsáveis por 55% das postagens favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro feitas no dia 15 de março.
Naquele dia, em meio à pandemia do coronavírus, cidadãos de várias cidades do país foram às ruas manifestar apoio ao governo federal e também criticar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional. O estudo foi obtido em primeira mão pelo jornal “Valor Econômico” e identificou que mais da metade dos 1,2 milhão de posts que usaram a hashtag “#BolsonaroDay” partiram de robôs. No dia 15 de março, a expressão chegou a ficar entre as dez mais usadas no Twitter no mundo.
“Os robôs que usaram a hashtag #bolsonaroday postaram uma média de 700 tuítes no dia 15 de março. Os robôs mais ativos chegam a mais de 1.200 tuítes por dia. Os usuários comuns têm uma média de três a dez tuítes por dia. Os usuários humanos mais ativos chegam até 50 tuítes por dia”, diz o estudo. Segundo conclusões preliminares da CPMI das Fake News, os robôs são coordenados pelo gabinete do ódio.