URGENTE: Na calada da noite, governo Bolsonaro edita medida que permite ocupação e venda de terras indígenas sem homologação. Instrução normativa foi publicada enquanto atenções estavam voltadas para o coronavírus e demissão de Moro
O governo Bolsonaro publicou, através da Fundação Nacional do Índio (Funai), uma Instrução Normativa que permite a invasão, exploração e até comercialização de terras indígenas ainda não homologadas pelo presidente da República.
A Instrução Normativa nº9/2020 alterou a Declaração de Reconhecimento de Limites, documento que funcionava apenas como uma certificação de que uma propriedade rural privada não invadia imóveis vizinhos ocupados por indígenas.
A medida foi publicada na última semana, enquanto todas as atenções do país estavam voltadas para o avanço dos casos de coronavírus e para a expectativa da oficialização da ruptura entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro.
Com a publicação da medida, a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista, explica que a Declaração de Reconhecimento de Limites passará a ser também um documento de posse e poderá ser dado a imóveis privados que estiverem dentro de terras indígenas não homologadas.
“O Brasil tem 237 terras indígenas em processo de homologação. Esse processo demora anos, alguns tiveram início em 1982 e ainda não foram concluídos. Essa medida permitirá que qualquer uma dessas terras ocupadas por comunidades indígenas sejam consideradas imóveis privados”, explica a advogada do ISA.
Outra mudança adotada pela Instrução Normativa nº9/2020 é em relação ao Sistema de Gestão Fundiária, o Sigef, um cadastro do Incra com dados oficiais sobre os limites dos imóveis rurais. Antes da medida, qualquer terra indígena, homologada ou em processo, estava cadastrada no Sigef. Agora, apenas os terrenos com homologação concluída serão reconhecidos pelo Sistema.
“Terras indígenas não homologadas poderão ser cadastradas no Sigef como propriedade rural privada. Com o cadastro, esse invasor poderá vender a terra, pedir licenciamento para mineração na área, assim como para criação de gado e de retirada da madeira do local”, pontua Batista, afirmando que demais pessoas poderão comprar uma terra sem saber que ela é ocupada por indígenas.
Em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro assinou um projeto de lei para regulamentar a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas. O projeto seguiu para aprovação no Congresso.
Presidente da Funai
Indicado por Jair Bolsonaro para comandar a Funai, Augusto Xavier é ligado a ruralistas. É a primeira vez na história que a Fundação Nacional do Índio é presidida por alguém que não defende os interesses indígenas, mas de madeireiros e pecuaristas.
Marcelo Augusto Xavier é delegado da Polícia Federal e defende a exploração de mineração em terras indígenas. Xavier já foi assessor do secretário especial de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, presidente licenciado da União Democrática Ruralista.
Xavier já havia passado pela Funai em 2008. Trabalhou na ouvidoria do órgão. Nessa época, chegou a solicitar que policiais investigassem supostas “invasões” de indígenas em áreas por eles reivindicadas no Mato Grosso do Sul. As denúncias mostraram-se sem fundamento.
Em abril de 2018, Xavier foi nomeado como assessor do braço-direito de Michel Temer, o então ministro da Secretaria de Governo da Presidência, deputado Carlos Marun (MDB-MS).
A Funai, pasta do Ministério da Justiça, é responsável pela demarcação de terras indígenas e por outras ações voltadas a esses povos.
“Não gosta de índio”
Antônio Carlos Bigonha, subprocurador-geral da República, se diz perplexo com a condução de Marcelo Augusto Xavier no comando da Funai e afirma jamais ter visto, em 27 anos de PGR, uma administração da autarquia como a atual. Ele diz que Xavier ignora as recomendações do MPF e não responde aos pedidos de audiência para tratar de decisões que têm colocado os direitos dos índios em xeque.
“Ele não aceita falar comigo. Já pedi audiência para ele aqui na PGR, ele não veio e não disse nem que viria, nem que não viria. Já pedi reunião lá na sede da Funai, também não respondeu. A assessoria dele também não responde. Nunca vi isso”, afirma Bigonha.
Bigonha afirma que o presidente da Funai fere os direitos dos indígenas garantidos na Constituição e incorre em ato flagrante de improbidade administrativa, o que pode levá-lo ao afastamento da presidência e à responsabilização cível e criminal.
O primeiro presidente da Funai na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi o general da reserva do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas. Ele foi removido do cargo em meados de junho.
De ascendência indígena, Freitas disse em seu discurso de despedida que Bolsonaro estava mal assessorado sobre política indigenista, e atacou o pecuarista Luiz Antônio Nabhan Garcia, atual secretário de política fundiária do Ministério da Agricultura (Mapa) e ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR).
“Quem assessora o senhor presidente não tem conhecimento de como funciona o arcabouço jurídico que envolve a Funai (…). E quem assessora o senhor presidente é o senhor Nabhan. Que, quando fala sobre indígena, saliva ódio aos indígenas”, disse o general da reserva.
Falha no psicotécnico e punições
Antes de ir para Brasília, Marcelo Augusto Xavier teve uma vida atribulada na Polícia Federal. Ele foi alvo de duas investigações internas da corporação — chamadas, no jargão do serviço público, de PADs (Processo Administrativo Disciplinar).
Uma delas foi por ter aberto uma investigação contra o ex-marido de sua mulher. A outra, por supostamente ter desacatado um procurador do Ministério Público Federal (MPF). Além disso, Xavier foi reprovado em uma avaliação psicológica para o cargo de delegado.
No concurso de Xavier, 260 pessoas foram aprovadas na avaliação médica no Estado de Mato Grosso. Dessas, 237 passaram no teste psicológico. Só 23 foram consideradas não aptas. Depois de recorrer à Justiça, Xavier tomou posse no cargo de delegado da PF em janeiro de 2008.
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