Anderson Pires
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Política 25/Abr/2020 às 08:22 COMENTÁRIOS
Política

Nenhuma pátria me pariu

Anderson Pires Anderson Pires
Publicado em 25 Abr, 2020 às 08h22

O pós-corona, lamentavelmente, não será regido pelos pequenos exemplos de empatia e solidariedade que vemos serem divulgados na internet e nos telejornais. Quem viver, verá.

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Anderson Pires*

Hoje, após ler um texto do Pedro Cardoso, voltei a pensar sobre o conceito de pátria, que se tornou algo venerado e motivo das mais diversas ações de proteção ao capital.

Em um texto que escrevi em 2016, disse que não há nada que justifique fronteiras a não ser proteger interesses comerciais. Na época, citei um exemplo banal de como era absurdo para se transitar com uma bicicleta pelo mundo, ter que andar com um documento que provasse o pagamento de impostos ou, caso contrário, ter o meu brinquedo apreendido.

A pátria, no meu entendimento, sempre foi um instrumento de proteção à propriedade, ao lucro e à exploração reservada a determinados países, não sendo, portanto, um valor para alguém se orgulhar.

Com a pandemia do coronavírus, esse conceito voltou a ser utilizado das formas mais absurdas possíveis. No Brasil, vemos supostos patriotas ajoelhados na frente dos quarteis, vestidos de verde e amarelo, orando para que os militares revivam o AI-5 e instalem novamente a ditadura, como se isso fosse um ato de salvação. A cena é de uma tristeza patética. Quando vi pela primeira vez, pensei: será que estão esperando que Deus saia do quartel empunhando um fuzil, vestindo a camisa da Seleção Brasileira e instale a ditadura?

Na essência de toda aquela cena, o grande motivador era somente a necessidade que alguns têm de fortalecer a lógica de que o mundo não vive de outra forma que não seja com a manutenção das atividades que garantem o capital inalterado e protegido. No entanto, não têm discernimento para pensar que a grande maioria dos que ali estão, em nada teria uma melhoria efetiva nas suas vidas se o que estão pleiteando fosse implantado. Agem como kamikazes, que morrem pela pátria, acreditando que estão defendendo a eles mesmos, quando na verdade são parte útil e substituível do capitalismo. Produzem, consomem, circulam, mas não detêm os meios de produção.

Esse é o exemplo brasileiro, talvez o mais esdrúxulo, levando em consideração a relevância que um país como o Brasil tem no mundo. Não estamos nos referindo a uma republiqueta decorrente da divisão da antiga União Soviética. Falamos de um dos maiores países do mundo, talvez o maior produtor de alimentos do planeta, com dimensões continentais. 

Mas essa discussão sobre o lado avesso do patriotismo, também tem me feito pensar como o mundo sairá dessa pandemia.

Escuto muita gente dizer que acredita em mudanças comportamentais profundas, que a dimensão da crise fará as pessoas repensarem a vida, a forma de viver, as relações e que será feita uma revisão no processo de exploração e na desigualdade social em que vivemos. Alguns dizem que o corona igualou a todos, mostrou que nem com dinheiro se está imune aos efeitos do vírus. É verdade. O vírus atinge a todos, até aos “atletas”, mas novamente essa visão é conveniente, na medida em que mascara realidades. É inegável que os mais vulneráveis sofrem numa proporção muito maior. Ou alguém imagina que o nível de acesso a saúde e até a um funeral decente é o mesmo, independente da condição social de cada um? Óbvio que não.

O que se viu nas ruas do Equador, com famílias queimando seus mortos no meio da rua, por mais grave que seja a situação em Nova York, ninguém verá algo parecido na Quinta Avenida. Não estão todos no mesmo barco, como se tem afirmado.

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Diante dos exemplos que tenho visto, não tem como acreditar que o mundo sairá melhor depois do Covid. Por mais que tenhamos pessoas dando o melhor de si para combater a pandemia, artistas se solidarizando, gente anônima mobilizando ajuda das mais diversas formas, a grande maioria está assistindo ao que se vive, sem questionar os extremos da desumanidade que acontecem a todo tempo, por vezes praticadas dentro de suas casas.

Como pode num momento de caos global, existir uma corrida para compra de equipamentos hospitalares de proteção à vida? A lógica do mercado mais uma vez se impõe, e ninguém questiona o absurdo que é a especulação continuar existindo da forma mais cruel. Países ricos confiscando respiradores, governos fazendo lobby para desviarem compras feitas por países mais pobres para países mais ricos. Uma verdadeira indústria do coronavírus foi estabelecida no mundo e não existe qualquer tentativa entre os principais líderes mundiais para que essa disputa seja cessada e se pense no planeta como um só, sem pátria, global como é.

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Num momento como esse o papel da ONU, do G8 ou do G20 se mostra inexistente. Numa perspectiva de transformação do mundo em algo melhor pós-covid, teria que existir um grande pacto de unidade, em que o combate fosse global e as fronteiras fossem extintas. Bolsas de todo mundo deveriam ser paralisadas, para assim os movimentos especulativos serem contidos. O estoque e a produção de equipamentos, medicamentos, material de proteção e alimentos deveria ser unificado e toda e qualquer barreira alfandegária derrubada.

A junção desses esforços poderia gerar um efeito global de solidariedade, na qual o combate à pandemia seria uma ação em constante movimento pelo mundo.

Por que os médicos e profissionais da China que já estão imunes não podem atuar em Nova York como forma de resguardar e diminuir a carga dos profissionais de lá? Por que os hospitais que foram construídos em tempo recorde, não podem ser desmontados e levados para outros países de forma solidária? Por que o Maranhão precisa fazer uma operação para driblar governos, inclusive o do próprio país, para não ter os respiradores que comprou confiscados? (equivocadamente alguns fazem propaganda dessa ação de desespero como uma política de sucesso).

Isso tudo existe, porque a lógica da disputa, da exploração desmedida continua sendo fortalecida. Quando se verificam situações como essas, não tem como acreditar que o mundo sairá melhor. No final, os sobreviventes são também competidores. Competir é intrínseco à lógica das nossas relações. O pós-corona, lamentavelmente, não será regido pelos pequenos exemplos de empatia e solidariedade que vemos serem divulgados na internet e nos telejornais. Quem viver, verá.

O mundo continuará sendo o do exemplo chinês de busca incessante por produzir e dominar mercados. Será o mundo da disputa política desonesta de um Trump que especula que a pandemia teria sido algo proposital criado pelos chineses. Continuaremos tendo o Brasil de Bolsonaro, com patriotas pregando o autoritarismo como caminho para purificação da nação. A Europa permanecerá omissa e ainda mais hipócrita. Afinal, deixou evidente que a unidade que prega, se resume a interesses de mercado, basta verificar que o cada um por si foi a regra entre os países do bloco.

Por fim meus amigos, na perspectiva de um mundo ainda mais desigual, onde as diferenças tendem a se aprofundar, sem que ninguém faça nada no sentido de quebrar essa lógica, só me resta torcer pra fazer parte da nação de Pedro Cardoso, que conclamou alguns dos nossos melhores e mais sensíveis nomes que habitaram o Brasil a serem os verdadeiros representantes da sua nação. Gente capaz de entender que verde e amarelo, não se configura na exclusão de cores, de raças, etnias e gêneros. Nem que o mundo só pode existir em decorrência da divisão sempre desigual.

Segue abaixo texto de Pedro Cardoso:

 

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Não existe Brasil. Existe um amontoado de gente jogado no mesmo pedaço de chão, convivendo forçosamente, obrigados a se dizer pertencer a mesma nação. O Brasil é falso como a letra do seu hino, que, aliás, é feia e mal escrita. O Brasil nunca foi gigante porque ele nem sequer existe. Nenhuma nação surge de 350 anos de escravidão. Eu me recuso a compartilhar nacionalidade, e o consequente patriotismo, com pessoas que fazem baderna em tempos de necessário isolamento social. Qdo um infectado entra num hospital ele expõe a risco médicas, enfermeiras e todos que forem cuidar dele. Fazer o impossível para não se infectar é uma obrigação para com os outros. Na minha opinião, quem se oferece ao vírus em aglomerações voluntariosas não deveria receber tratamento caso adoeça. Se o vírus é uma invenção, como dizem, que se curem sozinhos; e não venham arriscar a vida de quem, com sacrifício, está dedicado a salvar vidas. Eu não pertenço a mesma nação que essas pessoas. Sou juridicamente brasileiro. 220 milhões de pessoas o são. Mas é mera formalidade. Não posso pertencer a um país que não existe. O que existe são grupos identificados por igualdade pretendida. Grupos de militares, de comerciantes, de artistas sertanejos, de latifundiários, de fundamentalistas de falsas religiões e por ai vai. Cada grupo chama a si mesmo de Brasil como se todos os nascidos nesses limites geográficos fossem iguais a eles. Não somos. Eu não faço buzinaço em porta de hospitais nem clamo por ditadura militar. Não pertenço a nação de quem o faz. É com pesar que sou obrigado a compartilhar com gente assim o mesmo espaço geográfico. O País que eu nasci é o do sonho de Criolo, Mano Braun, Ruth de Souza, Pixinguinha, Chico Mendes, Leonardo Boff, Chico Buarque, Caetano Veloso, Fernanda Montengro, Amir Haddad, D. Ivone Lara, Catulo da Paixão Cearense, Dolores Duran e tantos a quem posso chamar de irmãos. Os outros, esse grupo abjeto de pessoas incivilizadas, sádicos agressores de indefessos, ocuparam a terra do país imaginado pela arte produzida pela minha gente. Roubaram até as cores da bandeira. Verde e Amarelo se tornou uma combinação repulsiva. Bandeira feita mortalha.

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*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.

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