A Suécia era praticamente um caso único na Europa. O país se recusou a adotar medidas de isolamento para pessoas e empresas. Bares e restaurantes continuavam abertos e escolas funcionando. Os suecos não esperavam que a doença atacasse com tamanha força
Reportagem de Diogo Barreto
Publicada no jornal português SABADO
O antigo primeiro-ministro da Suécia Carl Bildt, atualmente membro do think-tank European Council on Foreign Relations, admitiu que o governo sueco está tentando mudar a sua estratégia para combater o coronavírus. Procura agora uma legislação mais forte que ajude a reduzir a velocidade de contágio. E os meios de comunicação locais confirmam: está mesmo a ser preparada uma nova legislação para travar o avanço do coronavírus, até porque a taxa de mortes por milhão de habitantes naquele país é bastante elevada comparada a vizinhos.
A Suécia era praticamente um caso único na Europa. Ao contrário das restantes nações, tinha evitado impor restrições na movimentação das pessoas e nas empresas. Bares e restaurantes continuavam abertos, academias igualmente e muitas escolas continuaram a funcionar.
O outro caso semelhante ao da Suécia era o da Islândia. Mas há duas grandes diferenças entre estes países: a Islândia tem cerca de 364 mil habitantes e realizou mais de 25 mil testes. A Suécia realizou 37 mil testes, mas tem mais de 10 milhões de habitantes.
Na Islândia estão sendo realizados testes no máximo de pessoas possível. Na Suécia só é testado quem tem sintomas tão fortes que sinta necessidade de procurar ajuda hospitalar. É por isso que até agora foram apenas diagnosticados 6.830 casos positivos e 401 mortes.
Podemos também olhar para os países vizinhos da Suécia. Por exemplo, na Noruega, com 5 milhões de habitantes (metade), verificaram-se quase tantos casos de infeções (5.686) e 70 mortes, mas já se fizeram mais de 100 mil testes. Já na Finlândia, há cerca de 2000 casos e 28 mortos confirmados. O país tem também cerca de cinco milhões de habitantes e fez 31 mil testes. Na Suécia já morreram 37 pessoas por cada milhão de habitantes. Na Noruega esse valor baixa para os 12 e na Finlândia são “apenas” 4,5.
O gráfico abaixo mostra como a evolução dos casos na Suécia tem sido bastante abaixo de outros países europeus. Mas a verdade é que qualquer um dos outros países tem quase o triplo dos testes feitos do que a Suécia.
A Suécia pode estar desistindo neste momento de alcançar uma suposta “imunidade de grupo”. Esta teoria (que já foi defendida pelo Reino Unido) prevê que se infectem o máximo de pessoas que seja possível para que os cidadãos criem anticorpos naturalmente até que seja descoberta uma cura ou vacina. Mas os suecos não esperavam que a doença atacasse com tamanha força. Recentemente o primeiro-ministro admitiu que haverá milhares de mortes devido à covid-19.
O próprio rei sueco, Carlos XVI Gustavo admitiu num comunicado televisivo este domingo: “Para mim e para muitos no nosso país, a Páscoa é um fim de semana importante e muito esperado. É um momento em que gostamos de viajar e passar tempo com a família e os amigos. Muitos vão à igreja. Mas parte disso não será possível nesta Páscoa”, disse, admitindo ainda que todos os suecos “têm de se preparar para ficar em casa”.
Mas quem definiu esta estratégia na Suécia? A decisão foi inteiramente tomada pelas autoridades de saúde, sem intervenção política. As autoridades quiseram jogar com as especificidades daquele país: mais da metade da população mora sozinha e há pouco contato intergeracional, revelam dados do Eurostat. Há algumas semanas, o ex-primeiro-ministro que agora admite que esta forma de combate não funciona afirmou: “os suecos, sobretudo das gerações mais velhas, têm uma predisposição genética para o distanciamento social”, brincou Carl Bildt.
Também na Suécia há uma alta flexibilidade horária como não existe nos restantes dos países e uma longa tradição de trabalhar a partir de casa. Mesmo assim, o primeiro-ministro sueco apelou para que os mais jovens se abstivessem de visitar a população mais idosa. “Há poucos momentos decisivos na vida em que é preciso fazer sacrifícios não só por nós próprios, mas também pelos que estão à nossa volta, os outros seres humanos, e o nosso país”, lembrou Stefan Löfven quando lançou o apelo geral.
Em declarações ao jornal The Guardian, o responsável máximo pela epidemiologia no país revelou que as escolas se mantinham abertas para receber trabalhadores do ramo da saúde, para impedir os pais de as deixarem com os avós, que seriam mais vulneráveis ao contágio. Tegnell disse ainda que não havia, até ao momento, provas de que o isolamento social imposto por outros países desse resultado.
Passadas três semanas de isolamento em Portugal e na Alemanha, o crescimento de novos casos parece ter abrandado. Na Suécia, que não adotou o isolamento, os casos continuam em tendência crescente.
Mas agora parece que tudo vai mudar. Os governantes suecos e as autoridades competentes temem que estejam caminhando para um precipício com a sua atitude “relaxada” face ao Covid-19. Por isso é provável que nas próximas semanas os suecos comecem a ter de lidar com uma nova realidade, semelhante à vivida na Finlândia ou na Noruega, onde muitas empresas fecharam e alguns negócios estão proibidos.
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