Técnica de enfermagem fez apelo antes de morrer e chorou ao falar do isolamento
Oito dias após fazer apelo e denunciar desrespeito e descaso dos vizinhos com o isolamento social, técnica de enfermagem morre no Rio de Janeiro. Ela chorou durante o desabafo, que foi publicado no Facebook, mas também se mostrou otimista: "a covid não vai me vencer"
A técnica de enfermagem Daniele Costa morreu vítima de coronavírus na última segunda-feira (27) no CTI do Hospital Estadual Zilda Arns, em Volta Redonda (RJ). Ela estava internada desde o dia 23 de abril.
Oito dias antes de morrer, Daniele Costa, de 41 anos, fez um apelo no Facebook para que as pessoas seguissem o isolamento social.
“Quem puder, fiquem em suas casas, cuidem da imunidade de vocês. Minha mãe não gosta que eu me exponha. Mas eu vou me expor. Aqui ao lado da minha casa, tem reuniões todos os dias. Isso me entristece. Tá ouvindo essa música? É assim todos os dias. Fico morrendo de medo de eles [vizinhos] ficarem doentes também”.
“Deixem para comemorar depois. Não é o momento de vocês ficarem se reunindo. Vocês estão botando a vida de vocês e de outras pessoas em risco”, completou ela no vídeo publicado em seu perfil no Facebook no dia 19 de abril.
Daniele falou ainda sobre os sintomas e o avanço da doença. “Comecei com uma tosse seca. No dia seguinte, comecei a sentir febre. Fiquei muito cansada”, contou. “Eu não quero que passem pelo que eu passei. É muito difícil. Cada dia é uma coisa diferente. Já tive diarreia, minha boca tá muito amarga e estou perdendo o apetite”, disse.
Em seguida, afirmou ter procurado atendimento no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu (RJ), onde morava e trabalhava na UPA do bairro Austin. “Tive vários aborrecimentos. Quem é da área de saúde sabe como funciona o sistema. Realmente, foi uma experiência muito ruim. Mas o médico me atendeu bem. Ele estava sozinho no plantão desde as 7h. Já eram 20h e ele ainda não tinha se alimentado.”
Ela também falou de outros casos de pessoas infectadas. “Tive notícia de que uma família inteira está contaminada. Nessa família, duas pessoas já faleceram. E eram pessoas jovens. Quantos amigos, técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos, estão sendo contaminados? [Conheço] médicos que estão intubados, lutando pela vida. E as pessoas ainda estão achando que é brincadeira”, criticou.
“É agoniante você ver que as pessoas estão ali, curtindo o momento. Mas não sabem se amanhã vão estar contaminadas ou se vai ter leito para elas. Queria muito que as pessoas tivessem a consciência de que é uma doença grave e sem tratamento.”
Ela chorou ao falar sobre o isolamento, dentro de casa. “Minha família não tem contato comigo. Minha irmã deixa a comida na escada e vai embora. Eu fico muito triste”, desabafou.
Mas voltou a sorrir ao agradecer o apoio da família. “Minha família me paparica muito. Minha tia trouxe um suco horrível pra mim. Já rimos bastante da história do suco. Mas é um suco que é necessário, que é para fortalecer o meu sistema imunológico, né? Mas depois disso, eu não vou querer saber desse suco não, gente. É muito ruim. Meu pai manda comida pra mim como se fosse para um batalhão”, contou sorrindo.
E se despediu com uma mensagem de otimismo. “Eu vou sair dessa, isso é só um susto. Sei que estão preocupados comigo. Mas eu estou bem. Vai ser vitória, porque a covid não vai me vencer.”
Sepultamento
Durante o sepultamento, a mãe de Daniele Costa afirmou que o hospital virou as costas para a filha. “Filha, tanta gente você ajudou. E na hora que você precisou de ajuda, o hospital da sua cidade virou as costas. Pai, abraça minha filha e nos conforte”, disse, chorando.
Uma das colegas de Daniele, que compareceu ao enterro, disse que a técnica de enfermagem não recebeu a assistência que costumava dar para os pacientes que atendia. “No último momento da vida dela, ela não teve o que sempre deu. Que foi amor, carinho e a melhor assistência”.