Redação Pragmatismo
Saúde 01/Mai/2020 às 16:40 COMENTÁRIOS
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"É agoniante ver uma pessoa morrer com falta de ar na sua frente"

Publicado em 01 Mai, 2020 às 16h40

"Você ver uma pessoa morrer com falta de ar na sua frente é uma das piores coisas que alguém pode presenciar. É agoniante ver o olhar de desespero", desabafa médica que admite colapso e conta ter chorado a madrugada inteira. Há mais de 180 pacientes na fila de espera por um leito de UTI em Pernambuco

uti coronavírus

Enquanto os índices de adesão ao isolamento social apresentam queda nas últimas semanas em Pernambuco, o número de pessoas com sintomas da Covid-19 e precisando de internação cresce em velocidade alarmante, sobretudo no Recife, epicentro da doença no Estado, e na região metropolitana.

Diante do cenário, os prognósticos preveem dias duros. Isso porque o ritmo do avanço do novo coronavírus está mais acentuado do que se esperava. Grande parte da população — sobretudo os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro — preferiu não obedecer as medidas de isolamento decretadas pelo governo do estado.

Na prática, isso significa mais gente doente do que a capacidade médica e hospitalar suporta e, consequentemente, mais mortes. De forma didática, o secretário de Saúde do Recife fez uma analogia para explicar o que significa esse pico epidemiológico.

“Imaginemos um grupo de pessoas de várias idades e diferentes condições tendo como única alternativa atravessar uma montanha. Não tem outra alternativa. Se essa montanha é muito íngreme, nem todo mundo estará apto a atravessar e vai ficar para trás”, disse Jailson Correia.

“Se você tem uma curva mais suave e mais longa, permite a pessoas, mesmo com mais dificuldades, atravessar essa montanha. O tamanho do período de maior dificuldade pode ser até mais estendido, mas permitirá que mais pessoas consigam atravessar a montanha. Ou pode ser um pico avassalador e deixar muita gente para trás”, completou.

O desenho da curva epidêmica, então, depende do comportamento social. Quanto maior o índice de isolamento social, maiores as chances de os pacientes da Covid-19 terem acesso a tratamento hospitalar adequado. No cenário atual, com níveis de isolamento aquém do indicado, as projeções para o Estado são de maior dificuldade.

Uma médica relatou que as UPAs do Grande Recife já chegaram ao limite. “Você ver uma pessoa morrer com falta de ar na sua frente é uma das piores coisas que alguém pode presenciar. É agoniante ver o olhar de desespero. A gente tentou fazer o possível para ele, mas sem o ventilador, não conseguimos mantê-lo”.

“Eu entendi que estamos colapsando quando no último fim de semana, num plantão noturno, recebemos um paciente em insuficiência respiratória aguda, com indicação imediata de tubo, mas não tínhamos respirador disponível — todos da unidade estavam sendo usados”, contou a profissional.

O paciente, segundo ela, tinha histórico clínico sugestivo de Covid-19 e apresentava desconforto respiratório. Seis horas após ser admitido, o homem faleceu, segundo a médica. “Chorei a madrugada inteira”, relembrou.

A médica contou, ainda, que um casal de pacientes idosos deu entrada em uma UPA ao longo da pandemia e o homem faleceu. “Eles não saíam de casa e, por isso, a família achava que não poderia ser Covid quando eles começaram a apresentar tosse e febre. O marido foi a óbito e a esposa foi para casa. Ambos eram Covid positivo”, disse.

“Não sabemos mais o que dizer para o familiar que fica na recepção da UPA, aguardando ansiosamente notícias do seu parente internado, sem poder ir lá e dar um abraço, um aperto de mão. Talvez seja isso que mais doa… Ver tantas pessoas vulneráveis e frágeis, sem saber se vão viver ou morrer, com tanto medo e sem poder receber um abraço. Sem poder ver um rosto familiar. Sem poder ver um sorriso”, disse a médica.

“Não tenho conseguido dar conta da ansiedade e do medo de chegar em um plantão e não saber quantos óbitos teremos, se vamos ter condições de tratar dignamente aquelas pessoas, quantas histórias vamos encontrar, quantas histórias ali vão acabar”.

“Em abril, começamos a receber os casos com maior gravidade. Pacientes gravíssimos com desfechos ruins em curto espaço de tempo. Independente da idade, independente de comorbidades. E a cada semana que passa, piora”, disse a profissional.

Diante do aumento da demanda, os insumos e a estrutura não têm sido suficientes. “Não temos as medicações necessárias para manejar esses pacientes, não temos profissionais para atender todos com o mínimo de dignidade. Em uma das UPAs que trabalho, temos mais de 110 atestados na equipe, entre técnicos, enfermeiros, médicos. É muita gente afastada. É muita gente doente. É muita gente com medo”.

“Cada plantão é um desespero. Cada dia chegam mais pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave, precisando de suporte de oxigênio ou intubação e ventilação mecânica. Não temos fonte de oxigênio para todos. Ficamos com pacientes na sala de medicação esperando que outro seja transferido para ter direito à fonte. É literalmente uma fila para ter direito ao oxigênio”, relatou.

Fila de espera em UTI

Informações da central de regulação de leitos de Pernambuco apontam que, na última quarta-feira (29), haviam 186 pacientes em estado grave aguardando por uma vaga de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) no estado.

Às 9h18 de quarta-feira (29), havia uma fila com 184 solicitações de UTI para adultos e duas para crianças. Outras 116 pessoas aguardavam encaminhamento para leitos de enfermaria. Na terça-feira (28), a SES-PE (Secretaria de Saúde de Pernambuco) informou que a taxa de ocupação de UTI era de 97% de um total de 364 leitos.

Um médico que atua na rede pública estadual confirmou que o sistema já está em colapso. Segundo ele, quando o governo fala em 97% de ocupação, refere-se às vagas de UTI que estão com paciente no momento, e que entre a vaga ficar livre e um paciente ocupá-la há um “delay”. Ele diz ainda que, como os pacientes ficam nas UPAs, policlínicas e em outros hospitais, há um tempo entre liberação da vaga e o paciente ser transferido da unidade para o leito de UTI.

O médico afirma que, antes da pandemia, o serviço que faz transporte dos pacientes para UTI demorava em média 12 horas pra ir pegar o paciente e leva-lo até o leito disponível, e que hoje, o tempo para esse transporte ser realizado varia entre 24 horas e 36 horas.

as informações são da Folha de Pernambuco e do G1

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