Contos de Quarentena #1 - Violência
Não, não aguentei até o final da quarentena, porque tudo isso é mentira, então tomei minhas providências e, de agora em diante, ninguém mais sai de casa, ou melhor, do quintal.
Jorge Silva de Andrade*
Cheguei em casa já cansado, não aguentava mais o “mimimi” e as reclamações de todos esses vagabundos, que na primeira oportunidade de não fazer nada, se agarram como se a própria vida dependesse disso.
Então fui às ruas e gritei. Sim, gritei e manifestei contra tudo e todos, afinal de contas, estamos sozinhos. A mídia manipula todas as informações, as organizações internacionais, clamam por uma ascensão chinesa e colocam tudo a perder, e em casa, a mulher e as crianças não me deixam em paz.
O meu futebol sagrado, única fonte de prazer e entretenimento que detenho, também está parado. ESTÁ TUDO PARADO! Todos conspirando por conta de uma gripezinha, um vírus incapaz de atingir qualquer pessoa com menos de 60 anos.
Está difícil, ando meio estressado, especialmente agora que tenho de ficar em casa 24h por dia. Mas posso justificar, o fato é que não fico na presença da minha família há alguns anos. Isso porque quando não estou vendo os meus jogos na TV, estou no trabalho, ou ainda, no “futebol com a rapaziada”, se é que me entende.
Só que agora tudo isso acabou, não tem mais futebol na TV, não tem mais “futebol com a rapaziada”, nem mesmo família para encher o meu saco. Aí você pode pensar: “Sair de casa no meio dessa pandemia é loucura, deveria aguentar ao menos até o final da quarenta”.
Não, não aguentei até o final da quarentena, porque tudo isso é mentira, então tomei minhas providências e, de agora em diante, ninguém mais sai de casa, ou melhor, do quintal.
Quanto a mim, vou seguir respirando o resto de oxigênio que me resta, percebi que também não sou tão forte quanto pensava, e agora aguardo pacientemente o momento de me juntar à família novamente.
P.S. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre os meses de fevereiro e abril de 2020, o aumento nos registros de brigas de casais nas redes sociais –Twitter, mais especificamente – foi de 431%.
*Jorge Silva de Andrade é historiador, formado pela UNESP. Atualmente, voltando seus olhos para a Literatura, tenta constituir relatos fictícios de situações nem tão ficcionais assim.