Coronavírus: morte de funcionária de call-center poderia ter sido evitada
Jovem de 27 anos relatou que estava indo ao trabalho com temor de ser contaminada. Governo Bolsonaro incluiu call center como serviço essencial na pandemia e, por isso, as empresas não precisaram dispensar funcionários. Outros colegas estão apavorados. "Não foi uma fatalidade. Telemarketing não é serviço essencial. Eu não sei se eu choro mais de tristeza ou de raiva"
Vanessa Pereira, de 27 anos, morreu vítima de coronavírus na última segunda-feira (27). A jovem fazia parte da equipe de treinamento da Atento, multinacional de call center. Ela trabalhava na unidade de Santana, em São Paulo.
“A gente conversava muito, dizendo que por ela ser de risco devia ter entrado em quarentena muito antes, logo quando começou, e não ter esperado o último momento”, diz Thaynara Gerbas, amiga e colega de Vanessa na Atento até novembro de 2019.
O governo federal incluiu call center como serviço essencial na pandemia e, por isso, as empresas não precisaram interromper suas atividades.
Segundo uma colega que trabalhava no mesmo andar que Vanessa, a empresa não havia avisado os funcionários da morte da funcionária até a noite de quarta-feira (29).
De acordo com a mesma funcionária, as janelas do andar ficam todas fechadas, o que deixa a equipe temerosa. Ela diz que há um aviso no elevador para que não entrem mais de quatro pessoas por vez, o que ela já vê como um número excessivo.
Vanessa relatou a amigas que estava indo ao trabalho com temor de ser contaminada pela Covid-19. Ela disse ao namorado que havia casos com suspeita de contaminação no andar em que trabalhava. Com sobrepeso e sopro no coração, a jovem integrava o chamado ‘grupo de risco’.
Em 8 de abril, ela disse a Thaynara que ainda estava indo ao trabalho presencialmente e enviou à amiga a sua escala de trabalho para o mês, revezando um dia de trabalho presencial e outro à distância. No dia 13, ela disse à amiga e ex-colega Jaci Diniz que estava com suspeita de contaminação pelo coronavírus.
“Vanessa estava com um atestado por nove dias, mas a Atento não liberou todo mundo. Assim que iniciou a quarentena ela estava indo normalmente. Eles foram afastando grupos de risco, mas ela demorou a ficar em casa e era grupo de risco”, diz Jaci.
“Não foi uma fatalidade, eu perdi minha amiga por descaso e por ganância. Telemarketing não é serviço essencial. Eu não sei se eu choro mais de tristeza ou de raiva”, completa.
Em 20 de março, trabalhadores do setor de telemarketing da Atento denunciaram ao Sintetel (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Estado de São Paulo) que estavam sendo obrigados a trabalhar sem nenhum tipo de medida preventiva por parte da empresa em relação ao coronavírus.
Nas redes sociais, o sentimento é de revolta. “A Atento nunca se preocupou com os funcionários. Essa empresa é um mal necessário, fácil de contratar, mas não se importa com os trabalhadores. Triste”, destacou um usuário.
“Serviço essencial, né? Até porque todos morreriam se um call center deixasse de funcionar. Essencial é a vida das pessoas e não o lucro da empresa”, desabafou outro.