Saúde

Ditador de Belarus minimiza coronavírus e age como Jair Bolsonaro

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Ditador de Belarus nega pandemia do novo coronavírus, rejeita isolamento social e recomenda vodca e sauna, mas doença avança de maneira avassaladora. País integra grupo que ficou conhecido como "Aliança do Avestruz", formado por Brasil, Tajiquistão e Nicarágua

Aleksandr Grigorievitch Lukashenko

Praveen S., Brasil de Fato

Único país europeu que não adotou medidas oficiais de isolamento durante a pandemia, a Bielorrússia (ou Belarus) superou no último sábado (2) a marca de 15 mil pacientes diagnosticados com covid-19. O número de casos dobrou em 10 dias, com 156,8 infectados a cada 100 mil habitantes – três vezes mais que o Brasil, onde o presidente também minimiza os riscos do coronavírus.

A média de casos confirmados por dia na Bielorrússia é superior a 900, com um total de 93 mortes por covid-19. A capital Minsk e a cidade de Vitebsk, no norte do país, são as mais afetadas.

Além de Bielorrússia e Brasil, só os chefes de Estado da Nicarágua (América Central) e do Tajiquistão (Ásia Central) mantêm uma postura de negação em relação aos riscos do novo coronavírus. O professor Oliver Stuenkel, mestre em Política por Harvard, apelidou os 4 países de “Aliança do Avestruz”.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o isolamento social – associado a medidas de higiene e testagem em massa – é a forma mais eficiente de enfrentar a covid-19, que matou 240 mil pessoas nos últimos quatro meses em todo o mundo.

Pesquisas indicam que 70% dos bielorrussos são favoráveis a políticas amplas de isolamento. No Brasil, são 52%, segundo o último levantamento do Instituto Datafolha.

Em 28 de abril, um relatório da OMS caracterizou a atual situação epidemiológica na Bielorrússia como “preocupante” e e exigiu a “implementação imediata de uma estratégia combinada abrangente”, que envolve medidas de distanciamento físico, aprimoramento do sistema de testes e procedimentos de triagem padronizados nos pontos de entrada internacionais.

Contexto político

Alexander Lukashenko assumiu o poder na Bielorrússia em 1994, três anos após o país se desmembrar da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Apelidado de “último ditador europeu”, o presidente admite ter um “estilo de governo autoritário”. Hoje, a Bielorrússia é o único país do continente a adotar a pena de morte.

Embora a Rússia seja o principal parceiro comercial e diplomático, as pressões recentes lideradas pelo presidente Vladimir Putin para reunificação dos dois países vêm desgastando a relação.

Em fevereiro, Putin sugeriu a “incorporação da Bielorrússia em troca de energia barata”, nas palavras de Lukashenko. O país depende do petróleo e do gás fornecidos pela Rússia, e a proposta foi encarada como chantagem econômica.

Sem acordo sobre a reunificação, a Rússia diminuiu a oferta de energia, e a Bielorrússia precisou recorrer ao petróleo de outros países, como a Noruega.

E o coronavírus?

Conforme a imprensa local, o que está por trás da não adoção de medidas de isolamento é uma obsessão de Lukashenko pelos números econômicos. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por três anos consecutivos, com desemprego inferior a 0,5%, é o principal argumento do presidente contra a reunificação.

A economia promete ser o principal tema em debate nas eleições presidenciais de 30 de agosto, quando Lukashenko concorrerá ao sexto mandato. A moeda do país, o rublo bielorrusso, teve uma desvalorização de 20% no início do ano devido à crise energética e à queda nas exportações para a China. Paralisar as atividades, na visão do presidente, poderia ser fatal para os cofres públicos e para sua própria imagem.

É melhor morrer em pé do que viver de joelhos”, disse Lukashenko em abril, assegurando que medidas de isolamento seriam uma ação covarde diante do coronavírus e da crise política e econômica.

No último dia 25, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) emprestou o equivalente a R$ 540 milhões à Bielorrússia, que também tenta obter R$ 5,4 bilhões junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Contrapontos

O advogado brasileiro José Renato Peneluppi Jr. está na cidade de Hrodna – 280 km a oeste da capital Minsk – desde 31 de janeiro. Ele aguarda a possibilidade de retornar a Wuhan, na China, onde trabalha há mais de dez anos. As fronteiras do país asiático estão fechadas desde 26 de março por conta da pandemia.

Lukashenko tenta reduzir o medo das pessoas e manter a economia fluindo. E essa aposta coloca vidas em risco”, relata. O brasileiro observa, no entanto, que o risco de um colapso sanitário começa a produzir contradições entre o discurso e a prática do governo.

Tanto no fim de semana da Páscoa católica, do dia 12 de abril, quanto no da Páscoa ortodoxa, 19 de abril, houve orientações para que as missas fossem realizadas do lado de fora [dos templos]. É um sinal de que ele não ignora completamente a pandemia”, analisa. “Além disso, andando nos espaços públicos, você vê placas, sinais em pontos de ônibus, estações de trem, supermercados, para as pessoas manterem distância entre si, usarem máscaras”.

Peneluppi ressalta que a postura de Lukashenko é diferente de outras lideranças no continente: “Muitos países da Europa optaram por medidas de isolamento mais flexíveis, por terem ampla cobertura de saúde pública ou mesmo privada. Na Bielorrússia, é preciso deixar claro que não houve flexibilização. O que há é um governo desencorajando o isolamento social. Ele estimula as pessoas a seguirem sua vida e só tomarem cuidados de higiene”.

O advogado diz que o sistema de saúde da Bielorrússia é gratuito e de qualidade, outra herança do período soviético. Porém, o coronavírus impõe desafios inéditos à estrutura sanitária do país, ainda mais quando não há medidas oficiais de isolamento.

A China, no começo e no final de abril, enviou dois voos com ajuda humanitária, máscaras, equipamentos médicos, o que acabou dando mais condições à Bielorrússia para enfrentar a covid-19”, lembra. “Mas a estrutura sanitária não está preparada para um volume tão alto de doentes pulmonares. Ainda há risco de colapso do sistema”.

Antes da chegada dos equipamentos chineses, Peneluppi conta que circulou na Bielorrússia a informação de que havia apenas um respirador para toda a região de Hrodna, que tem cerca de 1 milhão de habitantes. O governo nunca confirmou o dado nem informa o número atualizado de respiradores em cada uma das seis regiões. Em todo o país, são 2,5 mil para 9,5 milhões de habitantes.

Proporcionalmente, a Bielorrússia tem 26 respiradores para cada 100 mil pessoas. O Brasil tem 31.

Anticientífico

Desde março, o presidente bielorrusso coleciona declarações infundadas sobre a covid-19. Primeiro, garantiu que ninguém morreria por coronavírus no país. Confrontado com o número crescente de vítimas fatais, Lukashenko disse que as mortes foram resultado de “outras debilidades” no organismo dos pacientes, como doenças cardíacas e diabetes.

Portanto, sigo dizendo que nenhuma pessoa morreu ‘puramente’ pelo coronavírus“, insistiu.

Contrário ao isolamento, ele recomendou aos cidadãos que bebessem vodca e frequentassem saunas como medidas preventivas.

Depois de disputar uma partida de hóquei no gelo em uma arena lotada, em plena pandemia, Lukashenko conversou com a imprensa e ironizou: “Vocês estão vendo o vírus voando por aí? Pois é, eu também não”.

Por conta própria

Lideranças da oposição e ativistas bielorrussos realizaram, entre 23 de março e 30 de abril, a campanha “Quarentena do Povo”. A ideia era reduzir o tráfego e o contato físico, para evitar a disseminação do vírus.

Pesquisas indicam que o número de passageiros no metrô de Minsk caiu 25% no período. A receita de restaurantes reduziu 80% e as vendas de itens não alimentícios, 20%.

José Renato Peneluppi Jr. conta que trabalhadores urbanos, servidores públicos, professores, pequenos e médios empresários e funcionários de estatais continuam expostos ao vírus, porque não têm a opção de se contrapor à posição do governo bielorrusso.

Profissionais liberais, autônomos, microempresários, trabalhadores intermitentes, estudantes, camponeses e aposentados, na visão do imigrante brasileiro, estão menos vulneráveis à covid-19. Muitos deles optaram pelo auto isolamento em suas dachas, casas de campo construídas na época da URSS.

As dachas não são luxuosas nem são privilégio dos mais ricos. Elas são um vestígio das comunas soviéticas, quando cada pedaço de terra era deixado ao cuidado de uma família”, explica.

Nos comércios e áreas de grande circulação de pessoas, o advogado afirma que costuma haver álcool gel e luvas plásticas disponíveis. “O povo está se organizando por conta própria. Por ter vínculo forte com os países vizinhos, Rússia, Lituânia e Polônia, as pessoas entendem o risco porque ouvem de lá as mensagens do Putin – que tem muita voz aqui dentro – e outros líderes estrangeiros”, analisa Peneluppi.

Na próxima semana, entram em vigor as primeiras regras assinadas em apoio a empresas e cidadãos bielorrussos afetados pela covid-19.

O período mínimo para o empregador comunicar o trabalhador sobre mudanças de jornada – sem redução de salário – foi reduzido. Cuidadores de crianças com suspeita de coronavírus receberão um auxílio mensal, e fornecedores que não cumprirem seus compromissos não serão penalizados desde que comprovem os prejuízos causados pela pandemia. Além disso, inquilinos de baixa renda poderão atrasar o pagamento de aluguéis por até dois meses.

O governo bielorrusso também reduziu o número de voos e ampliou a extensão do visto para permanência de estrangeiros durante a pandemia.

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