O Jair Bolsonaro que defendeu o assassinato de pessoas de esquerda, que construiu sua campanha espalhando mentiras como mamadeira de piroca e outras sandices, agora tenta impor que a morte é algo banal e insuficiente para comprovar os impactos que a proliferação sem controle de uma pandemia pode causar
Anderson Pires*
Certa vez, quando estava em Brasília, tive que ir na Câmara dos Deputados resolver algumas questões relativas ao meu trabalho. Por coincidência, passei na porta do gabinete do então Deputado Jair Bolsonaro, que tinha um mural com uma série de fotos de pessoas que foram vítimas da ditadura, também parlamentares como ele. Além das fotos, uma frase em destaque dizia: “se a ditadura fosse tudo que dizem, essa corja não estaria viva”.
Aquele mural me fez questionar: como permitiam que alguém fizesse apologia explícita a ditadura, tortura e morte em pleno Congresso Nacional? Todos pareciam ignorar tamanha crueldade, sem contar que era crime. Certamente, preferiam atribuir o fato à insanidade e, de forma permissiva, deixavam passar a agressão à humanidade.
Durante décadas, gente como Bolsonaro usufruiu dessa postura omissa a manifestações aberrantes de violência. O que parecia inofensivo virou o cerne do que estamos vivendo hoje no Brasil: temos um presidente sem qualquer apreço pela vida, que defende a tortura e a ditadura como melhor regime de governo.
São essas premissas que impossibilitam que qualquer pessoa que tenha o mínimo de respeito pelo ser humano permaneça inerte aos absurdos praticados cotidianamente pelo Presidente da República. Não tem como ficar passivo às vontades de Bolsonaro, que sempre apontam para um mesmo sentido: fazer valer suas verdades, independente das mortes que possa provocar. Essa postura está presente na tentativa de liberação indiscriminada de armas e, agora, no desrespeito ao isolamento social e na defesa intransigente do uso da cloroquina.
Nem o Ministro Teich aguentou. Mesmo sendo um empresário da saúde, seu limite para mercantilização foi extrapolado. Bolsonaro o empurrou para uma vala muito perigosa, da qual não teria absolvição, muito menos clemência, visto que o desfecho pode ser desastroso, conforme afirmam cientistas de todo mundo. O presidente assume o risco de promover um atentado em massa, um verdadeiro genocídio. Seu flagelo espalha-se indiferente a milhares de mortes e exemplos que chegam de toda parte.
O Jair Bolsonaro que defendeu o assassinato de militantes de esquerda durante a ditadura, que construiu sua campanha para presidente espalhando mentiras como o kit gay, mamadeira de piroca e outras sandices, agora tenta impor que a morte é algo banal e insuficiente para comprovar os impactos que a proliferação sem controle de uma pandemia pode causar.
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Mais que a saída de um ministro temos o avanço descontrolado de um presidente. O desequilíbrio toma proporções assustadoras. Vale lembrar que, além do coronavírus, uma crise política intensifica a instabilidade no Governo Federal. A conjuntura mistura tudo que tem de pior: um presidente sem qualificação, politicamente frágil, enrolado em denúncias sobre interferência no Estado para acobertar crimes comuns de familiares e amigos, além de contar com um suporte de um staff dividido por terraplanistas e militares de capacidade cognitiva limitada.
Para quem conseguiu convencer seus eleitores da existência de um kit gay com mamadeira de piroca, defender a cloroquina é moleza. Fica a dúvida: existe limite para Bolsonaro? Vamos pagar para ver e aguardar as reações? Podemos mais uma vez deixar que a permissividade abra espaços para que o autoritarismo se alastre? Lembremos que o presidente pode resolver fazer uso do medicamento que defende. Entre os efeitos colaterais, está a taquicardia. Ele pode acordar um dia mais acelerado e avançar no seu projeto como ditador. Seria um final coerente.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
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